domingo, 23 de outubro de 2011

O que eu tenho contra o neoliberalismo

O neoliberalismo implica um modelo de desenvolvimento que apresenta duas consequências altamente gravosas para a vida saudável das sociedades; por um lado cria condições para aumentar o fosso entre ricos e pobres e para proletarizar as classes médias, por outro, provoca instabilidade financeira adversa a um desenvolvimento económico sustentável.
No momento presente, os Estados, em crise, tendem a sobrecarregar de impostos o sector da população cujos rendimentos dependem do trabalho, retirando-lhes apoios sociais e lançando para o desemprego boa parte da população. Por outro lado, apoiam o sector financeiro considerando que este é imprescindível para a economia, aumentando assim o seu poder e a sua influência nas decisões políticas.
Com isto reforça-se a tendência já existente de valorizar o capital e de desvalorizar o trabalho. O que era preciso fazer e que todos os decisores políticos teoricamente defendem: regular a actividade financeira, que como bem sabemos teve ligações de peso à crise que atravessamos, fica mais uma vez no tinteiro. Os fluxos financeiros sem qualquer controlo estatal continuam desgovernados e o medo dos Estados perante a hipótese provável de fugas de capital manieta qualquer medida séria para resolver os problemas.
Até quando vamos continuar a ignorar que este modelo económico não é ele próprio sustentável e nos pode lançar mais uma vez numa guerra fratricida que tem sido sempre o escape do sistema capitalista para se aguentar?

domingo, 4 de setembro de 2011

Motins no Reino Unido e ataques terroristas

A propósito dos recentes motins ocorridos em Londres e outras cidades do Reino Unido, traduzo algumas considerações que me parecem lançar luz sobre o fenómeno:
"Os amotinados, embora destituídos de privilégios e, de facto, socialmente excluídos, não estavam a viver na linha da miséria. Pessoas em muito pior situação material, independentemente das condições de opressão física e ideológica, têm sido capazes de se organizarem em forças políticas com agendas definidas. O facto de os amotinados não terem programa é em si mesmo algo que precisa de ser interpretado: diz-nos muito acerca do nosso predicamento ideológico-político e do tipo de sociedade em que vivemos, uma sociedade que celebra a escolha mas na qual a única alternativa disponível ao consenso democrático forçado é agir de modo cego. A oposição ao sistema já não se consegue articular em termos de uma alternativa realista, ou mesmo sob a forma de um projecto utópico, mas pode apenas assumir a forma de uma explosão sem sentido. Para que serve a nossa tão apregoada liberdade de escolha quando a única escolha é entre jogar de acordo com as regras e a violência (auto) destrutiva? (…)
Os motins devem ser situados com relação a um outro tipo de violência que a maioria liberal de hoje percebe como uma ameaça ao seu modo de vida: ataques terroristas e suicídios-bomba. Em ambos os casos, violência e contra-violência integram-se num círculo vicioso, em que cada uma gera a força que procura combater. Em ambos os casos estamos perante passagens cegas à acção, nas quais a violência é uma admissão implícita de impotência. A diferença é que, em contraste com os motins do Reino Unido ou de Paris, os ataques terroristas são cometidos ao serviço de um Significado absoluto fornecido pela religião.” (Slavoj Žižek)

domingo, 7 de agosto de 2011

A resposta da Noruega ao fundamentalismo

"Do blog http://uraiweb.blogspot.com/  transcrevo o  texto de Leonardo Boff :

O ato terrorista perpetrado na Noruega de forma calculada por um solitário extremista norueguês de 32 anos, trouxe novamente à baila a questão do fundamentalismo. Os governos ocidentais e a mídia induziram a opinião pública mundial a associar o fundamentalismo e o terrorismo quase que exclusivamente a setores radicais do Islamismo. Barack Obama dos USA e David Cameron do Reino Unido se apressaram em solidarizar-se com governo da Noruega e reforçaram a idéia de dar batalha mortal ao terrorismo, no pressuposto de que seria um ato da Al Qaeda. Preconceito. Desta vez era um nativo, branco, de olhos azuis, com nivel superior e cristão, embora o The New York Times o apresente “sem qualidades e fácil de se esquecer”.

Além de rejeitar decididamente o terrorismo e o fundamentalismo devemos procurar entender o porquê deste fenômeno. Já abordei algumas vezes nesta coluna tal tema que resultou num livro “Fundamentalismo, Terrorismo, Religião e Paz: desafio do século XXI”(Vozes 2009). Ai refiro, entre outras causas, o tipo de globalização que predominou desde o seu início, uma globalização fundamentalmente da economia, dos mercados e das finanças. Edgar Morin a chama de “a idade de ferro da globalização”. Não se seguiu, como a realidade pedia, uma globalização política (uma governança global dos povos), uma globalização ética e educacional.

Explico-me: com a globalização inauguramos uma fase nova da história do Planeta vivo e da própria humanidade. Estamos deixando para trás os limites restritos das culturas regionais com suas identidades e a figura do estado-nação para entrarmos cada vez mais no processo de uma história coletiva, da espécie humana, com um destino comum, ligado ao destino da vida e, de certa forma, da própria Terra. Os povos se puseram em movimento, as comunicações universalisaram os contactos e multidões, por distintas razões, começam a circular pelo mundo afora.

A transição do local para o global não foi preparada, pois o que vigorava era o confronto entre duas formas de organizar a sociedade: o socialismo estatal da União Soviética e o capitalismo liberal do Ocidente. Todos deviam alinhar-se a uma destas alternativas. Com o desmonte da União Soviética, não surgiu um mundo multipolar mas o predomínio dos EUA como a maior potência econômico-militar que começou a exercer um poder imperial, fazendo que todos se alinhassem a seus interesses globais. Mais que globalização em sentido amplo, ocorreu uma espécie de ocidentalização mundo e, em sua forma pejorativa, uma hamburguerização. Funcionou como um rolo compressor, passando por cima de respeitáveis tradições culturais. Isso foi agravado pela típica arrogância do Ocidente de se sentir portador da melhor cultura, da melhor ciência, da melhor religião, da melhor forma de produzir e de governar.

Essa uniformização global gerou forte resis
tência, amargura e raiva em muitos povos. Assistiam a erosão de sua identidade e de seus costumes. Em situações assim surgem, normalmente, forças identitárias que se aliam a setores conservadores das religiões, guardiães naturais das tradições. Dai se origina o fundamentalismo que se caracteriza por conferir valor absoluto ao seu ponto de vista. Quem afirma de forma absoluta sua identidade, está condenado a ser intolerante para com os diferentes, a desprezá-los e, no limite, a eliminá-los.

Este fenômeno é recorrente em todo o mundo. No Ocidente grupos significativos de viés conservador se sentem ameaçados em sua identidade pela penetração de culturas não-européias, especialmente do Islamismo. Rejeitam o multiculturalismo e cultivam a xenofobia. O terrorista norueguês estava convencido de que a luta democrática contra a ameaça de estrangeiros na Europa estava perdida. Partiu então para uma solução desesperada: colocar um gesto simbólico de eliminação de “traidores” multiculturalistas.
A resposta do Governo e do povo norueguês foi sábia: responderam com flores e com a afirmação de mais democracia, vale dizer, mais convivência com as diferenças, mais tolerância, mais hospitalidade e mais solidariedade. Esse é o caminho que garante uma globalização humana, na qual será mais difícil a repetição de semelhantes tragédias."

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Capitalismo - crise terminal ou conjuntural?

Com a devida vénia, transcrevo de Adital o seguinte texto de Leonard Boff:
"Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.
A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhe foi sequestrado. Já nos meados do século XIX Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.
A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 15 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.
O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.
Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal 12% no país e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas, mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.
A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.
Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.
As ruas de vários países europeus e árabes, os "indignados” que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhóis gritam: "não é crise, é ladroagem”. Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumossacerdotes do capital globalizado e explorador.
Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da superexploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas."
[Leonardo Boff é autor de Proteger a Terra-cuidar da vida: como evitar o fim do mund, Record 2010].

sábado, 18 de junho de 2011

Porque resgatar e não reestruturar a dívida?

Como sabemos, o resgate das economias da Grécia, Irlanda e recentemente de Portugal suscitou uma onda de protestos em vários países da União Europeia, capitalizados pelos partidos de extrema-direita, antes com expressão mínima, o que não augura nada de bom. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Finlândia com os «Autênticos finlandeses»; em França com a extrema-direita da Frente Nacional, liderada por Marine Le Pen, e na Holanda onde a direita também se posicionou contra os resgastes. Para além de explorarem sentimentos xenófobas em relação a imigrantes, o mote agora é a ajuda aos povos preguiçosos e irresponsáveis da União Europeia.
Por outro lado, existe o sentimento cada vez mais disseminado de que os resgates só permitem ganhar tempo e não vão resolver a situação; os encargos com as dívidas, dada a exorbitância dos juros, são tais que não se vê muito bem como é que a economia desses países pode crescer, apenas se lhes está a fornecer meros balões de oxigénio e nada se faz para curar a doença.
A alternativa teria sido reestruturar a dívida o que significaria obrigar os credores a arcarem com prejuízos, justificados pelo facto de terem disponibilizado crédito em condições em que qualquer credor de boa fé não o teria feito. Por exemplo, se uma pessoa empresta dinheiro a outra para ela comprar luxos e supérfluos sabendo que esta não tem condições reais de pagar, rapidamente percebemos que o credor se está a aproveitar da situação para mais tarde levar o couro e o cabelo ao devedor; se isto é assim com os privados, também o é ao nível de instituições financeiras e dos países. As instituições financeiras quiseram fazer dinheiro fácil e incentivaram as pessoas e os Estados a contraírem empréstimos, ao fazê-lo correram riscos irresponsáveis portanto agora também deviam ser penalizadas; mas ninguém se atreve a fazê-lo.
A Europa optou por não seguir o caminho de reestruturação das dívidas e optou pelos resgates, mas esta opção teve custos políticos de que ainda não podemos prever as consequências; para já permitiu o fortalecimento da direita e da extrema-direita populista em países civilizados e com tradição democrática; aí a direita pode fazer um discurso muito convincente e exigir com base nesse discurso mecanismos de controlo antes impensáveis, destruindo em paralelo o estado de bem-estar social e obrigando os trabalhadores a aceitarem condições igualmente impensáveis até há bem pouco tempo.
O que é um facto é que a direita, que nos anos oitenta nos Estados Unidos e no Reino Unido acedeu ao poder com Reagan e com a Tatcher, deixou o serviço incompleto e agora tem uma boa oportunidade para alcançar o que já então era o seu desiderato: privatizar, privatizar, privatizar; eliminar ou pelo menos diminuir a proteção social do Estado e deixar as pessoas à mercê dos donos do poder, nomeadamente do poder financeiro.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Para um novo pensamento econômico

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A opressão como injustiça social

Iris Young em Five Faces of Oppression defende a necessidade de se desenvolver um conceito de justiça que vá além da referência a uma justiça distributiva e que inclua também a referência às condições institucionais necessárias para o desenvolvimento e exercício das capacidades do indivíduo. Nesse mais amplo conceito de justiça haveria lugar para tratar a opressão como uma forma injustiça porque as pessoas oprimidas «sofrem de alguma inibição da sua aptidão para desenvolverem e exercitarem as suas capacidades e expressarem as suas necessidades, pensamento e sentimentos.» (p. 175)

Fomos habituad@s a encarar a opressão como o exercício da tirania de um grupo dominante contra outros grupos existentes na sociedade, assim por exemplo se referia o apartheid, o colonialismo ou mesmo o comunismo, como regimes tirânicos e consequentemente opressores. Esta perspetiva tinha a «vantagem» de subtrair as sociedades democráticas, nas quais existe igualdade perante a lei e liberdade individual de escolha, à ignominia da opressão, nestas sociedades não haveria opressão. Mas Iris Young recentra  e mostra como a questão não é assim tão simples:

«A opressão designa a desvantagem e a injustiça que certas pessoas sofrem, não por causa de um poder tirânico que as constrange, mas por causa das práticas do quotidiano de uma sociedade liberal bem-intencionada.» p. 176

De fato, nas sociedades liberais, politicamente democráticas, há grupos sociais que são sistematicamente oprimidos, mas não se identifica objetivamente qualquer grupo dominante opressor, isto é, não se identifica um grupo que consciente e intencionalmente tenha como objetivo oprimir outros grupos. O que não quer dizer que esse grupo não exista e não lucre e tire vantagem com a opressão de outro ou outros grupos, tendo, portanto, interesse na perpetuação do sistema. E isto acontece porque a opressão reproduz-se sistematicamente nas instituições económicas, políticas e culturais e não é preciso fazer nada, basta deixar correr e não intervir. Tudo se passa como se a opressão estivesse inscrita na matriz do funcionamento social, fosse estrutural ao funcionamento da sociedade, fosse parte da sociedade.

A opressão assume, segundo Iris Young, cinco faces que podem ou não coexistir num grupo oprimido, bastando, todavia, que uma se manifeste para podermos falar de opressão. São elas: exploração, marginalização, ausência de poder, imperialismo cultural e violência.

(1) A exploração significa que o grupo oprimido é de alguma maneira espoliado da sua energia em benefício do grupo opressor. Esta categoria foi desenvolvida por Marx que explicou como na sociedade capitalista, embora deixasse de haver classes sociais institucionalizadas, se manteve a estrutura classista da sociedade pelo fato dos donos dos meios de produção se apropriarem da mais- valia produzida pela força de trabalho dos trabalhadores. O argumento é o de que os trabalhadores contratam livremente com os empregadores e aceitam voluntariamente os salários estabelecidos, mão havendo formalmente mecanismos coercitivos, mas de fato não é preciso haver, basta a assimetria das relações de poder para termos a injustiça normalizada e dissimulada sob a capa do acordo e consequentemente de justiça. Como Iris Young refere:

«A injustiça da sociedade capitalista reside no fato de alguns exercerem as suas capacidades sob o controlo, de acordo com os objectivos e em benefício de outros.» p. 186

Da exploração resulta assim a injusta, porque profundamente desigual, distribuição de bens.

(2) A marginalização implica grupos de pessoas não integradas socialmente, de uma maneira geral, grupos sociais afastados do sistema de trabalho; essas pessoas são impedidas assim de desenvolverem e exercitarem as suas aptidões e são injustamente limitadas nas suas interações.

(3) A falta de poder significa o afastamento sistemático de grupos sociais do acesso à participação na tomada de decisõese de deliberação. Essa carência revela-se sob a forma de ausência de autoridade, baixo estatuto e auto-imagem pobre.

(4) O imperialismo cultural significa que a cultura dominante numa dada sociedade também é opressiva porque tende a apresentar-se como universal e a impor-se a grupos sociais que são «obrigados» a aceitá-la ou a sentirem-se anormais porque não se enquadram no padrão estabelecido, e assim as pessoas que integram esses grupos são impedidas de se exprimirem e de se afirmarem.

(5) A violência dirigida a membros de determinado grupo social pelo simples fato de pertencerem a esse grupo - violência sistémica - é também uma das faces da opressão, provavelmente a mais visível. Por exemplo, a violação, enquanto violência sexual, aterroriza todas as mulheres e limita a sua liberdade de movimentos. A violência dirigida contra homossexuais é igualmente limitativa da sua liberdade de expressão e de afirmação. A violência dirigida contra negros pelo facto de serem negros é igualmente lesiva dos interesses deste grupo social, o mesmo se passando com imigrantes, ciganos, etc.

Nem todos os grupos sociais oprimidos conhecem as mesmas «faces» da opressão, as combinações podem variar, mas a presença de qualquer uma destas faces é suficiente para falarmos em opressão e consequentemente em injustiça social.

domingo, 27 de março de 2011

Contradições da intervenção na Líbia

O mandato da ONU para a Líbia previa o controlo do espaço aéreo para evitar que as forças de kadafi bombardeassem civis e pusessem em curso um massacre da população. Mas afinal o que está a acontecer é que as forças da coligação não se estão a limitar a este mandato e estão a atingir alvos militares de kadafi independentemente de estes estarem ou não a ser usados contra populações civis, tanto quanto sabemos até nem estão.
Por outro lado, começam a ouvir-se vozes de altas figuras, como Obama e Clinton que exigem a retirada de Kadafi o que afinal revela, como se costuma dizer, o gato escondido com o rabo de fora: parecem estar apenas a aproveitar a oportunidade, invocando hipocritamente a defesa de civis, para se desfazerem de um líder instável e por vezes imprevisível em relação aos interesses do Ocidente.
Para se justificarem socorrem-se do apoio da chamada Liga Árabe que afinal, bem vistas as coisas, é ela própria constituída por um conjunto de ditadores que, tanto como Kadafi, oprimem os seus povos. Postas as coisas nestes termos coloco em dúvida a legitimidade desta intervenção que parece estar a ser movida mais pelos interesses do petróleo do que por quaisquer considerações humanitárias.
Resta ainda saber se os «libertadores» não estão a ser manipulados, como já se diz à boca cheia, pela famigerada Al Qaeda; se tal estiver a acontecer então Europa e companhia podem realmente limpar as mãos às paredes por mais uma cagada monumental.

Contradições do sistema capitalista

Para além da contradição entre os capitalistas e os trabalhadores, que se traduz em antagonismo e luta de classes, existe contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e a propriedade privada dos meios de produção que leva a desemprego crónico e a crises económicas cíclicas.
O desenvolvimento das forças produtivas, possível através da investigação cientifica e da descoberta de novas técnica, permite o aumento da produção de bens que deveria implicar preços mais baixos, mas os capitalistas, como detém os meios de produção e os circuitos comerciais e querem defender a estrutura classista da sociedade, só investem onde e quando o investimento é produtivo, não onde é necessário, e como detém o monopólio dos circuitos comerciais não permitem que os preços baixem, mantendo-os artificialmente elevados.
O desenvolvimento tecnológico permite produzir mais e com menor incorporação de força de trabalho humano, mas esta boa notícia não tem qualquer efeito prático, bem pelo contrário, porque, ao invés de se aumentar o tempo de lazer dos trabalhadores e de se reorganizar o mundo do trabalho, despedem-se trabalhadores e mantém-se as exigências em relação aos que ficam. Por isso, “a automação que tem o potencial de libertar a humanidade do domínio da necessidade e de abrir as portas do domínio da liberdade é vista como uma ameaça pela classe trabalhadora.”*
*Martha E. Gimenez, Marxism and Feminism, Originally Pulblished in Frontier: A Journal of Women's Studies. Vol 1, No 1, Fall, 1975.

terça-feira, 22 de março de 2011

A viragem à direita será inevitável?

A eleição de Obama lançou uma onda de esperança nos Estados Unidos e no mundo, mas volvidos cerca de dois anos, esse capital foi profundamente defraudado e isto porque Obama está refém da direita política conservadora e pouco ou nada pode fazer para pôr em prática mudanças progressistas. Como muito bem observou Maria Da Conceição Tavares, ilustre economista brasileira, numa entrevista dada recentemente, Obama não tem base social de apoio, ou melhor tem mas é como se não tivesse, pois foi eleito pelo voto jovem e pelo voto negro e negros e jovens não pesam na sociedade norte-americana, não têm força. A força está do lado do capital financeiro que sobreviveu à crise com a ajuda do Estado e que se recompôs graças ao investimento estrangeiro na Bolsa - sempre em busca dos melhores «revenues» - e a direita política que dispõe da maioria de representantes no Congresso e que derrota quaisquer propostas realmente progressistas. Assim tanto na base, económica, como na super-estrutura, politica, quem manda são os conservadores. Entalado entre estes dois blocos, que afinal são farinha do mesmo saco, Obama «grita mas não decide». E o mais preocupante é que afinal foram os democratas que preparam este cenário «foram os anos Clinton que consolidaram a desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora.»
Deve todavia dizer-se que republicanos e democratas, nos Estados Unidos, e socialistas ou sociais-democratas na Europa, mais não fazem do que administrar politicamente o sistema de economia capitalista e, por isso, enquanto este não for seriamente questionado, o caminho vai ser inevitável; o que se verifica é que a alternância segue um padrão: quando as coisas parecem correr bem a administração é entregue aos democratas, quando correm mal a reacção intervém em força e toma conta do poder. Ora como actualmente, um pouco por todo o mundo, as coisas parecem estar a correr mal, a tendência é para a direita deixar os bastidores do poder e intervir directamente. Avizinham-se anos particularmente difíceis para quem gostaria que a humanidade avançasse e pergunto-me seriamente se não corremos risco de nova fascização.

domingo, 20 de março de 2011

"Obama foi anulado pelo conservadorismo de bordel dos EUA"


Excertos da entrevista exclusiva à Carta Maior, concedida pela economista Maria da Conceição Tavares
http://www.cartamaior.com.br/templates/index.cfm

CM- Por que Obama se transformou num zumbi da esperança progressista norte-americana?

Conceição - Os EUA se tornaram um país politicamente complicado... o caso americano é pior que o nosso. Não adianta boas idéias. Obama até que as têm, algumas. Mas não tem o principal: não tem poder, o poder real; não tem bases sociais compatíveis com as suas idéias. A estrutura da sociedade americana hoje é muito, muito conservadora – a mais conservadora da sua história. E depois, Obama, convenhamos, não chega a ser um iluminado. Mas nem o Lula daria certo lá.
CM- Mas ele foi eleito a partir de uma mobilização real da sociedade....

Conceição - Exerce um presidencialismo muito vulnerável, descarnado de base efetiva. Obama foi eleito pela juventude e pelos negros. Na urna, cada cidadão é um voto. Mas a juventude e os negros não tem presença institucional, veja bem, institucional que digo é no desenho democrático de lá. Eles não têm assento em postos chaves onde se decide o poder americano. Na hora do vamos ver, a base de Obama não está localizada em lugar nenhum. Não está no Congresso, não tem o comando das finanças, enfim, grita, mas não decide.
CM - O deslocamento de fábricas para a China, a erosão da classe trabalhadora nos anos 80/90 inviabilizaram o surgimento de um novo Roosevelt nos EUA?
Conceição - Os EUA estão congelados por baixo. Há uma camada espessa de gelo que dissocia o poder do Presidente do poder real hoje exercido, em grande parte, pela finança. Os bancos continuam incontroláveis; o FED (o Banco Central americano) não manda, não controla. O essencial é que estamos diante de uma sociedade congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada...
CM- É uma decadência reversível?
Conceição – É forçoso lembrar, ainda que seja desagradável, que os EUA chegaram a isso guiados, uma boa parte do caminho, pelas mãos dos democratas de Obama. Foram os anos Clinton que consolidaram a desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora.
CM - Esse colapso foi pedagógico; o poder financeiro ficou nu, por que a reação tarda? 
Conceição - A sociedade americana sofreu um golpe violento. No apogeu, vendia-se a ilusão de uma riqueza baseada no crédito e no endividamento descontrolados. Criou-se uma sensação de prosperidade sobre alicerces fundados em ‘papagaios’ e pirâmides especulativas. A reversão foi dramática do ponto de vista do imaginário social. Um despencar sem chão. A classe média teve massacrados seus sonhos do dia para noite. A resposta do desespero nunca é uma boa resposta. A resposta americana à crise não foi uma resposta progressista. Na verdade, está sendo de um conservadorismo apavorante. Forças e interesses poderosos alimentam essa regressividade. A tecnocracia do governo Obama teme tomar qualquer iniciativa que possa piorar o que já é muito ruim. Quanto vai durar essa agonia? Pode ser que a sociedade americana reaja daqui a alguns anos. Pode ser. Eles ainda são o país mais poderoso do mundo, diferente da Europa que perdeu tudo, dinheiro, poder, auto-estima... Mas vejo uma longa e penosa convalescença. Nesse vazio criado pelo dinheiro podre Obama flutua e viaja para o Brasil.
(…)
CM – A reconstrução japonesa, após a tragédia ainda inconclusa, poderia destravar a armadilha da liquidez que corrói a própria sociedade americana? Sugar capitais promovendo um reordenamento capitalista, como especula Paul Krugman?
Conceição - A situação da economia mundial é tão complicada que dá margem a esse tipo de especulação. Como se uma nuvem atômica de dinheiro pudesse consertar uma nuvem atômica verdadeira. Não creio. Respeito o Krugman, mas não creio. O caminho é mais difícil. Trata-se de devolver a nuvem atômica de dinheiro para dentro do reator; é preciso regular o sistema, colocar freios na especulação, restringir o poder do dinheiro, da alta finança que hoje campeia hegemônica. É mais difícil do que um choque entre as duas nuvens. Ademais, o Japão eu conheço um pouco como funciona, sempre se reergueu com base em poupança própria; será assim também desta vez tão trágica. Os EUA por sua vez, ao contrário do que ocorreu na Segunda Guerra, quando eram os credores do mundo, hoje estão pendurados em papagaios com o resto do mundo – o Japão inclusive. O que eles poderiam fazer pela reconstrução se devem ao país devastado?
CM – Muitos economistas discordam que essa nuvem atômica de dinheiro seja responsável pela especulação, motivo de índices recordes de fome e de preços de alimentos em pleno século XXI. Qual a sua opinião?
Conceição - A economia mundial não está crescendo a ponto de justificar esses preços. Isso tem nome: o nome é especulação. Não se pode subestimar a capacidade da finança podre de engendra desordem. Não estamos falando de emissão primária de moeda por bancos centrais. Não é disso que se trata. É um avatar de moeda sem nenhum controle. Derivam de coisa nenhuma; derivativos de coisa nenhuma representam a morte da economia; uma nuvem nuclear de dinheiro contaminado e fora de controle da sociedade provoca tragédia onde toca. Isso descarnou Obama.

É o motor do conservadorismo americano atual. Semeou na America do Norte uma sociedade mais conservadora do que a própria Inglaterra, algo inimaginável para alguém da minha idade. É um conservadorismo de bordel, que não conserva coisa nenhuma. É isso a aliança entre o moralismo republicano e a farra da finança especulativa. Os EUA se tornaram um gigante de barro podre. De pé causam desastres; se tombar faz mais estrago ainda. Então a convalescença será longa, longa e longa.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Capitalismo - quem diz que a humanidade é mentalmente saudável?!

Afinal é bom lembrar que o endividamento das famílias e dos países aparece como uma consequência natural do sistema capitalista que ao produzir tem de encontrar consumidores a qualquer custo, emprestando-lhes se for preciso dinheiro a juros especulativos e obrigando-os a trabalharem em quaisquer condições quanto mais não seja para irem pagando os juros que no fim do processo implicam que o credor receba o dobro ou mais do dinheiro que emprestou, num sistema económico em que o dinheiro deixa de ser produtivo e se limita a gerar mais dinheiro, ficando a cargo dos devedores produzirem cada vez mais e a mais baixos custos, para sanarem as dívidas, quer dizer passa a viver-se para trabalhar em vez de se trabalhar para viver, invertendo-se a ordem das prioridades.
Uma análise filosófica do trabalho e da sua natureza haveria de realçar que o trabalho é um meio e não um fim em si mesmo e que enquanto meio não deveria alienar o ser humano mas antes permitir a sua realização. Ora nada disto é assegurado no sistema capitalista de produção. Mas as pessoas na sua generalidade não se apercebem destas contradições nem interessa ao sistema que percebam.
Em minha opinião o principal defeito do sistema capitalista é não aceitar que deixar a economia e a finança fluírem sem controlo é uma maneira estúpida de lidar com a questão. Toda gente deveria saber que uma das principais vantagens de qualquer ciência é saber para prever o que vai acontecer e prever para prover isto é para adoptar medidas que permitam lidar com os acontecimentos e evitar aqueles que se consideram inconvenientes. Isto implica intervir, planificar, prevenir, etc. etc. Ora os defensores mais acérrimos do sistema capitalista defendem que nada disto se deve fazer, defendem uma espécie de laissez faire, laissez passer, esperando que a auto-regulação ocorra através de mecanismos de mercado de racionalidade duvidosa pois se baseiam no lucro a curto prazo, permitindo que se repliquem as anomalias e as injustiças sociais.
Claro que no curto prazo os detentores do capital financeiro enriquecem mais e os trabalhadores que produzem empobrecem mais, pois como têm dividas precisam de produzir, mesmo que os salários que lhes ofereçam sejam mínimos. E este círculo é difícil de quebrar quando o sistema bancário de um país, com a ganância do lucro, se endivida ele próprio para emprestar a juros apetitosos aos cidadãos desse país. Isto é um sistema de loucos, mas quem diz que a humanidade é mentalmente saudável?!

sexta-feira, 4 de março de 2011

Capitalismo - sistema económico desumano

Para compreendermos a tese defendida pelo marxismo de que o capitalismo é um sistema económico desumano, temos de partir da concepção de natureza humana que Marx teorizou.
Para Marx, o que nos torna humanos e nos distingue dos outros animais não é a razão, como pretendem os filósofos - Aristóteles definia o homem como animal racional - nem tão pouco a capacidade de produzir cultura; o que nos afastou da animalidade foi a capacidade para produzirmos os nossos próprios meios de subsistência, por outras palavras, foi o trabalho, pelo qual transformamos a natureza em objecto de fruição; o trabalho é assim fonte de humanização.
Na economia capitalista, o trabalho bem como as matérias-primas, instalações, máquinas, estrutura organizacional, constituem as forças de produção; estas, juntamente com o modo de produção, geram a super-estrutura (sistema jurídico, organização política, cultura). Ora o modo como a produção é organizada sob o sistema capitalista provoca a alienação do trabalhador e consequentemente a sua desumanização.
O modo de produção capitalista implica de um lado os empregadores e do outro os trabalhadores; os primeiros têm o monopólio dos meios de produção: matérias-primas, máquinas, instalações, domínio dos sistemas de comercialização e de comunicação. O trabalhador só conta com a sua força de trabalho. Este modo de produção supõe relações de produção que tem implícita uma natureza explorativa já que os empregadores têm todas as condições para explorarem os trabalhadores e obviamente não vão perder essa oportunidade. Assim, para além de ser um sistema de relações de produção, o capitalismo é concomitantemente um sistema de relações de poder e é um sistema extremamente assimétrico porque o poder do empregador é muito superior ao poder do trabalhador, completamente inoperante sem os outros meios de produção, e é esta assimetria de poder que transforma o contrato livremente assumido entre o empregador e o trabalhador numa verdadeira ficção porque a «liberdade» do trabalhador acaba por ser entre aceitar o contrato ou ficar sem trabalho
O paradigma da economia capitalista é a troca, ou, como hoje se diz, o mercado. Tudo tem valor de troca e é redutível a esse valor de troca. O trabalho tem valor de troca e, mediante contrato, o trabalhador coloca a sua força de trabalho ao serviço do empregador, em troca de um salário. Mas entre o que o empregador paga ao trabalhador, acrescido das despesas com os meios de produção, e o produto, tal como é vendido, há uma mais-valia de que o empregador se apropria.
Para além de o trabalhador não possuir alternativa real, há ainda outra razão que o condiciona a aceitar pacificamente a situação e essa prende-se com a ideologia capitalista que leva os trabalhadores e os empregadores a verem tudo sob o prisma da troca, aquilo a que Marx chama o fetichismo da mercadoria, a partir daí o trabalhador acha muito natural receber um salário que não corresponde ao que ele efectivamente produziu porque tudo está sujeito às leis da troca e do mercado e a troca e o mercado são livres, ninguém coage fisicamente ninguém. Quando um trabalhador acredita que é tão livre para entrar num contrato lesivo para os seus interesses como o é o empregador, sofre daquilo a que Marx chama falsa consciência e essa falsa consciência leva-o a acreditar que vive no melhor dos mundos possíveis e que nada vale a pena fazer para mudar a situação porque aquela em que vive é a única possível.
Mas, para além deste aspecto de exploração material que o sistema capitalista permite, há outro que tem a ver com uma forma de exploração numa outra camada mais profunda da personalidade humana e aqui entra o conceito marxista de alienação. A alienação é uma experiencia de estranhamento e de desintegração, de falta de unidade do «eu».
No trabalhador, integrado no sistema capitalista, a alienação reveste as seguintes formas: em primeiro lugar o trabalhador é alienado do produto do seu trabalho, porque não participa minimamente no processo decisório, funciona como mais uma máquina programada para produzir determinado produto. Há estranhamento entre o trabalhador e o produto do seu trabalho.
Em segundo lugar o trabalhador é alienado dele próprio porque, como não participa como ser humano no processo de planificação e de decisão, encara o trabalho como um fardo e só espera que finde a jornada  para então ser ele próprio; o trabalho em vez de o humanizar é fonte de desumanização.
Em terceiro lugar, o trabalhador é alienado da comunidade em que trabalha porque a lógica do sistema obriga-o a ver os outros como competidores numa luta implacável por promoções e prémios; a relação com os outros, ao invés de ser de cooperação é de competição.
Em resumo, um sistema económico em que o modo de produção implica exploração económica e psicológica, em que o trabalho, ao invés de ser meio de realização humana, é fonte de desumanização, não pode estar ao serviço dos seres humanos, o capitalismo revela assim a sua face desumana.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Globalização financeira e política paroquial

Tenho andado a procurar blogs sobre temas de economia, mas verifico que são poucos e de uma maneira geral desinteressantes. A ideia com que fico é que a maior parte das pessoas nada percebe do assunto e tal carência é decididamente grave, porque compromete a inteligibilidade dos acontecimentos que a todos afectam.
Politica cambial, fluxos de capital especulativo, controlo dos preços das matérias-primas são tópicos que ouvimos mas não entendemos nem ninguém se preocupa seriamente em explicar, parecendo partir-se do princípio de que toda a gente sabe de que se trata. Mas há uma coisa que mesmo alguém leigo na matéria entende, entende que não se pode chegar a acordos nestas questões sem se encontrar plataformas políticas globais, mas estas parecem extremamente difíceis porque cada um quer puxar a brasa à sua sardinha.
A China não está nem aí para ouvir falar em interferência externa no sentido de fixação da política cambial; mantém a sua moeda artificialmente desvalorizada o que junto a outros factores, como mão-de-obra barata e desrespeito por preocupações ambientais lhe dá imensa vantagem competitiva e obriga muitas indústrias em outros países a fecharem as portas, aumentando exponencialmente o desemprego.
Quanto ao controlo dos preços das matérias-primas, ninguém se entende porque toda a gente quer regular a horta do vizinho mas não permite que se interfira na sua.
O fluxo de capitais especulativos é incontrolável, embora muitos opinem que é preciso fazer qualquer coisa sob pena de se multiplicarem as crises, as bolhas e as ressacas. Por exemplo, nos Estados Unidos, a bolsa de valores recompôs-se rapidamente depois da crise profunda que afectou o país em 2008, longe de estar debelada. O fenómeno da fuga de capitais, neste caso da Europa para os Estados Unidos parece largamente responsável por uma recuperação que não corresponde a ganhos reais na economia do país, mas que perturba a economia de outros. Na Europa, nos vários países endividados, os donos do dinheiro não estão com meias medidas, investem-no onde supõem poder obter melhores dividendos, sem qualquer preocupação com a saúde da economia dos respectivos países; o que os continua a mover é o lucro e a ganância pura. Quer dizer o capital em vez de servir para produzir riqueza serve se replicar e produzir mais dinheiro.
Parece que a única coisa que se globalizou de facto foi o capital financeiro, a politica continua local, diria mesmo paroquial. Organização Mundial do Trabalho anda por aí, mas não se nota. Um organismo internacional para exigir o estabelecimento de uma política cambial que impeça qualquer país de manipular a seu bel-prazer o valor da sua moeda, ainda não se vislumbra. Mecanismos que impeçam ou dificultem os fluxos de capital especulativo ninguém consegue imaginá-los e muito menos desenhá-los.
Alguma coisa vai muito mal neste nosso mundo e assim continuará enquanto os seres humanos não perceberem que defender apenas os interesses de alguns é um mau negócio para todos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O senhor que se segue?

A desinformação é total, muitas notícias, muitas imagens, um autêntico fogo de artificio que mantém o espetáculo  mas não permite que percebamos o que se está a passar. Falta análise política, falta distanciamento, falta reflexão, sobra foguetório e ruído.
Mas seria curioso tentar encontrar um padrão. Depois do Egipto parece que o senhor que se segue é Khadafi, ditador líbio, com um percurso politico errático e confuso, entre outras coisas, apoiou o IRA, a Eta e grupos palestinianos e mais recentemente tem-se posicionado contra o terrorismo fundamentalista islâmico, o que para mim é uma boa notícia.
Quando ele se for, quem vai lançar mão dos despojos? E é bom não esquecer que a Líbia, graças ao petróleo, é o país mais rico do continente africano

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Intelectualidade bem pensante e ditaduras

Tanta gente preocupada com o Egipto e tão pouca atenção dada ao que se continua a passar no Irão onde, de 20 de Dezembro de 2010 a 31 de Janeiro de 2011, 121 pessoas - em média uma pessoa a cada oito horas - foram executadas, segundo dados da International Campaign for Human Rights in Iran (ICHRI) . E muitas dessas execuções decorrem daquilo que se designa por delitos de opinião ou infracções aquilo que as autoridades consideram o correcto comportamento moral que aqui está ligado à conduta sexual das pessoas. Sob o racional de que não se pode deixar corromper a juventude iraniana, semeia-se o terror e promove-se a mais execrável censura.
Como este país é inimigo dos EU e como a intelectualidade bem pensante do Ocidente continua ambígua e a não perceber que pode arranjar lenha para se queimar, deixa isto na sombra; aplaude a destituição do regime egípcio, «amigo» dos EU e remete-se ao silêncio quando se trata do inimigo, tão ou mais ditatorial, e muito mais perigoso porque alia a reacção política à reacção religiosa.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

As ajudas perversas dos E.U

Como se pode comprovar facilmente, as ajudas dos Estados Unidos a um país são pura e simplesmente para este levar a cabo a política que interessa aos EU. Claro que os EU consideram os seus interesses justos, mas quem não considera? Assim, com as suas pretensas ajudas, limitam-se a pagar um serviço para alguém fazer o trabalho sujo por eles. E há mais um pormenor interessante, essas ajudas orientam-se para o sector militar e de armamento, destinam-se obviamente à compra de material bélico e afins, de modo que, na volta, a indústria de armamento norte-americana acaba recebendo em boa parte o que o Estado com o dinheiro dos contribuintes forneceu a esses países. A indústria de armamento e respectivas empresas estão justificadas e podem continuar a produzir com a garantia de que vão colocar os seus produtos e receber lucros chorudos.
Como essas ajudas são prestadas independentemente da natureza dos regimes políticos dos respectivos países e, pela dinâmica de forças existente, dirigidas, de uma maneira geral, a países com regimes ditatoriais, impopulares e corruptos, pouco preocupados com o desenvolvimento do nível de vida e bem-estar da população, os EU colocam-se a jeito e transformam-se no bode expiatório, facilmente identificável, para “explicar” por que as coisas correm mal. Na confusão instalada, aqueles que souberam criar uma cintura de isolamento com vista a não se deixarem contaminar pelo país emprestador e pelos seus valores, acabam por se beneficiar e sem grande dificuldade apropriam-se do poder, muitas vezes através do famoso voto democrático e com o aval das populações. Melhor nem de encomenda.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Defender democracia e exportar autocracia

Não é o radicalismo islâmico que preocupa os EU, é a independência
Esta a tese defendida por Noam Chomsky, em artigo de 4 de Fevereiro publicado no Guardian.
Os EU sempre tem apoiado regimes ditatoriais em várias épocas e diferentes partes do mundo, desde, por exemplo, Ferdinand Marcos, (Filipinas) passando por Jean Claude Duvalier (Haiti), Chun Doo-Hwan (Coreia do Sul), Suharto (Indonésia), e muitos outros gangsters da política.
Quando os ditadores tremem, o amigo americano procura distanciar-se e sobretudo assegurar uma transição que não ponha em causa os seus interesses, muito convenientemente identificados como justos e nobres. O que teme é que então se estabeleçam regimes independentes que fujam ao seu controlo, o serem radicalistas islâmicos é secundário, até porque ao fim ao cabo não têm qualquer prurido em apoiar este tipo de regimes como é o caso da Arábia Saudita, centro do radicalismo e até do terrorismo islâmico. O que não quer é perder o controlo.
Na Tunísia e no Egipto, os EU investiram milhões de dólares em ajudas militares sem se preocuparem com a natureza autocrática de regimes corruptos que mantém as populações na miséria e não criam oportunidades de desenvolvimento. Depois ficam muito ofendidos com a incompreensão dos povos - que os odeiam - e acabam limpando as mãos à parede pelas burradas que fazem, sem parecerem dar-se conta da contradição que é defender democracia e “exportar” a autocracia.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Quem viver verá!

Aparentemente as multidões que se manifestam no Egipto, cansadas da ditadura e da correspondente miséria, anseiam por uma sociedade justa, participativa e democrática e por isso vemos comentários exaltantes sobre elas, muito optimistas quanto ao desfecho da situação.
É bom não esquecermos, todavia, que por ora o poder parece estar na rua, mas quando for oportuno vão aparecer protagonistas. Obviamente, os mais coesos, os mais bem organizados recolherão os dividendos  e toda a gente sabe que esses serão os fundamentalistas religiosos que o ditador em crise nunca hostilizou abertamente e que só estão à espera de uma aberta para mostrarem a sua verdadeira face. Gostaria de estar enganada, quem viver verá. De outro modo como perceber que sejam os países com governos seculares os visados por tanta perturbação e reivindicação?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Egipto e ditaduras

O que se está a passar no Egipto pode revestir-se de consequências graves para os Estados Unidos e para o Mundo Ocidental em geral. É bom não esquecermos que o  Egipto foi o primeiro estado àrabe a fazer paz com Israel e a sua importância estratégica é enorme.
Corre-se o risco de se ver instalada na região uma teocracia islâmica ou algo afim. Claro que actualmente é uma ditadura e mais uma vez a politica externa dos E. U está a colher o que semeia, ao aceitar alianças sem exigir respeito dos governantes por direitos elementares, mas neste momento é caso para perguntar qual é a alternativa já que uma teocracia é uma ditadura bem mais temível pois para governar e para se impor conta com o inestimávael aval da divindade que os seus ministros se dizem representar e interpetrar.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Turbo capitalismo – capitalismo no seu melhor!

Entendemos o capitalismo como o sistema económico que advoga o mercado livre, ou seja, a liberdade para vender e para comprar e que tem como objectivo prioritário o lucro. Ora o turbo capitalismo – expressão recentemente cunhada – leva ou pretende levar o princípio às suas lógicas consequências, quer correr desenfreado, qual cavalo a que tiraram o freio; se, na corrida, o cavaleiro cair, tanto pior para o cavaleiro.
Pretende assim ficar isento de regulamentação governamental, não ser escrutinado pelos sindicatos de trabalhadores e não ser perturbado por preocupações sentimentais em relação ao destino dos empregados ou das comunidades, garantido a inexistência de restrições aduaneiras aos investimentos e pagando o mínimo de impostos ao Estado.
Defende ainda que o ideal será o Estado deixar de se imiscuir ou de ser dono de negócios, chama a isso promiscuidade entre o poder político e o económico e assim, escolas, hospitais, prisões e ainda grandes empresas de fornecimento de bens públicos, como água e electricidade, deveriam ser privatizadas, a fim de se conseguir, diz, uma economia mais dinâmica e geradora de riqueza. Mas, com todo este palavreado, que significa o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social - o único instrumento capaz de garantir um mínimo de equidade e de igualdade de oportunidades a todos os cidadãos – há uma coisa que não diz, que muito sabiamente cala: não diz como é que a riqueza que promete gerar vai ser distribuída e não o diz porque provavelmente esta receita visa garantir que o melhor quinhão vai continuar na mão de uma elite privilegiada que acha que ainda não abocanha o suficiente e precisa de maiores estímulos ao seu desempenho.
Temo muito que, pelo menos na Europa, que até ao momento tem resistido á desregulamentação do sistema, se esteja a dar largos passos no sentido deste turbo capitalismo, com o argumento de que é preciso vencer a crise que o próprio sistema despoletou.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A bem da Nação, Cavaco não!



A bem da Nação, Cavaco não!

Este slogan que encontrei no blog A Terceira Via, embora pela negativa, como grito de guerra da presente campanha presidencial, é brilhante. Uma retórica de primeirissima classe.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Pagar aos pobres para os tirar da pobreza

Pagar aos pobres para os tirar da pobreza! Será que funciona?
Muitos responderão negativamente e dirão que um Estado assistencialista não promove o progresso dos cidadãos e cidadãs, pois convida à preguiça e à inércia; mas experiências levadas a cabo em vários países, nomeadamente no Brasil, com o programa Bolsa Família, fornecem evidência empírica em sentido contrário. Pagar mensalidades a famílias pobres com a condição de manterem as crianças na escola, de recorrerem regularmente a serviços de saúde, de as mães assistirem a cursos que fornecem instrução sobre dietas e cuidados de saúde elementares está a ajudar a quebrar o infernal ciclo da pobreza que, de outra maneira, parece replicar-se inelutavelmente. Dá-se, sobretudo às crianças e assim às novas gerações, possibilidade de escolarização e de melhor saúde. Estas políticas públicas não são caridade e também não partem do princípio, que certos sectores da direita defendem, de que os pobres são pobres porque querem, porque não merecem melhor. Estas políticas compreendem que a pobreza é um fenómeno político que a todos interessa erradicar.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Afinal o que são os célebres produtos toxicos que despoletaram a crise?

A resposta bem humorada dada neste vídeo, que encontrei na Revista Rubra, propicia alguns bons momentos de humor; rir ainda continua a ser o melhor remédio

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Economistas e ética

Deveriam os economistas observar um código deontológico?
Hoje mais do que nunca somos confrontados com as intervenções constantes de economistas que opinam sobre a crise, suas causas e panaceias. Mas, obviamente, a economia é ainda uma ciência incipiente e, sobretudo, fortemente afectada pela ideologia. Esperar-se-ia que quando nos apresentam estudos e as suas interpretações houvesse também informação sobre as instituições que subsidiaram esses estudos e sobre a perspectiva ideológica dos economistas em questão, porque, por exemplo, professar uma ideologia neo-liberal não é o mesmo que ser um economista marxista. Ora, actualmente tudo isto fica numa desconfortável penumbra e assim as pessoas cada vez percebem menos o que se passa, embora se dê a sensação de que são devidamente informadas.
Assim como os médicos observam um código deontológico, não seria despiciendo se os economistas também observassem um conjunto de regras quando nos informam sobre a saúde ou a doença da economia:
Quem subsidia as suas investigações? Em que linha ideológica se situam? Exercem cargos administrativos ou outros em empresas e em negócios, quais? Que ligações têm à banca?
Bem, isto são apenas algumas sugestões, obviamente uma «Ordem» é que deveria regularizar o uso da profissão.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Crescer economicamente ou reorganizar a economia?

Em relação a Portugal e à Europa em geral, os economistas não se cansam de falar em crise de crescimento e de produtividade como se a chave para o sucesso fosse crescer e produzir mais. Não tenho qualquer especialização em economia, o que de facto lamento, mas isso não me inibe de colocar algumas questões e de colocar em causa esse paradigma económico. Não me parece que a Europa ou os Estados Unidos, que são os espaços de que tenho algum conhecimento, devam crescer mais e a qualquer custo, para mim parece-me prioritário que aprendam a viver com menos, com muito menos, e ainda que se preocupem em diminuir o fosso entre ricos e pobres. Não se pode esquecer que a riqueza mundial também regista um tipo de distribuição em que Europa e Estados Unidos aparecem detentoras da maior parte da riqueza mundial em flagrante contraste com os índices de população.
A receita que se está a pretender seguir para resolver a crise aponta no sentido da diminuição de salários e de outras regalias sociais para resolver o desemprego, mas este poderia e deveria ser resolvido com outra organização do mundo do trabalho que implicaria redução da jornada de trabalho e com a alteração profunda dos estilos de vida, a começar na diminuição do consumo energético. Claro que não tenho receitas específicas, mas se se começasse a pensar nestes termos, mudando o enfoque dos debates, talvez se chegasse a conclusões interessantes e mais fecundas.
Dando um exemplo concreto, porque não subsidiar e melhorar significativamente os transportes públicos ao invés de aumentar os custos para o utilizador? Quando viajo da periferia para Lisboa, costumo constatar que a maior parte dos automóveis transportam apenas o condutor. Não é isto um absurdo? Não é isto um desperdício de recursos energéticos? Não é isto sinónimo de que a um nível tão primário como este não se consegue encontrar uma solução inteligente para um problema?