quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Liberdade versus Igualdade nos Estados Unidos

Liberdade’ versus ‘Igualdade’ nos Estados Unidos

Como sabemos, os Estados Unidos resultaram de uma agregação de colónias que se uniram para combater uma metrópole. Três aspetos fundamentais têm de ser destacados para compreendermos porque é que nos Estados Unidos se dá imensa importância à liberdade e pouca à igualdade que até chega a ser vista como conflituante com a liberdade; esses aspetos são: um índice demográfico muito baixo: o número de colonos (brancos) era ínfimo; vastas extensões de terra (que, quando se mostrou necessário, foram disputadas com sucesso aos índios) e a existência de mão de obra escrava, proveniente do continente africano.
Entre os colonos não havia desigualdades profundas, não havia pobreza; embora existissem diferenças de fortuna, todos, de uma maneira geral, possuíam terras e constituíam uma espécie de comunidade de iguais que partilhavam interesses e tinham objetivos comuns. Todos aproveitavam da mão de obra escrava e a existência dos próprios escravos (negros) - os outros - favorecia a coesão dos colonos.Para os colonos, falar em igualdade não fazia assim grande sentido; mas já fazia sentido falar em liberdade, liberdade em relação às imposições da metrópole, liberdade em relação aos governos.

Inicialmente e durante muito tempo os Estados Unidos constituíram uma espécie de federação agrária em que os colonos brancos sentiam que a sua prosperidade iria depender da sua capacidade de trabalho e percebiam como injusta qualquer tentativa do Estado para desapossá-los dos frutos do seu trabalho - como refere James Houston em Securing the Fruits of Labour - pelo que impostos e regulações estatais deveriam ser mínimas. Neste contexto, a liberdade transformou-se no valor fundamental do novo mundo e a ideia de um estado mínimo ganhou um fôlego que persistiu até aos nossos dias. Mas, é bom não esquecermos que um país que teve escravatura até meados do século XIX e segregação racial até meados do século XX  e que ainda hoje é, de entre os países desenvolvidos, aquele em que as desigualdades sociais são mais profundas, dificilmente pode apresentar-se como um modelo.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

As crises circulares do capitalismo


Os neoliberais defendem a liberdade do mercado e a não interferência do governo na economia como se de um dogma se tratasse; mas, nas situações de aperto, esse dogma é posto de parte e então não rejeitam que o Estado venha em seu socorro, com os dinheiros públicos provenientes dos impostos dos cidadãos. Foi isso que aconteceu com a crise financeira de 2008 e nessa altura, com o J.P. Morgan, o Goldman Sachs e Morgan Stanley. 700 biliões de dólares foi quanto custou a brincadeira  da alta finança aos cidadãos norte-americanos. Tudo isto porque os bancos decidiram apostar na bolsa de valores (leia-se especulação financeira) ao invés de apostarem na atividade produtiva e não sei se aprenderam a lição, tudo leva a crer que não.


Quer dizer, os partidários e defensores da liberdade absoluta dos mercados acham que o Estado não deve interferir a não ser que seja para proteger a alta finança. Só é mau usar dinheiro publico para a escola publica ou para o serviço nacional de saúde, provavelmente porque veem essas áreas como espaços privilegiados que pretendem abocanhar. Também não é mau usar dinheiros públicos para a segurança e defesa nacional pois aí podem antever oportunidades futuras de negócios que os litígios sempre proporcionam; tem pois uma visão muito selectiva de como se deve gastar o dinheiro publico.

Para qualificar este tipo de crises do capitalismo, David Harvey encontrou uma expressão interessante, chamou-lhes crises circulares porque sempre arranjam maneira de transferir a crise para outro sector, e não deixa de ser irônico que um desses setores seja a dívida publica dos Estados, através da qual mais uma vez, e como se não bastasse já, se transfere dinheiro do trabalho (dos cidadão) para o capital (dos bancos e outras corporações).


segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A queda do avião militar russo - alguns dados e conclusões

[Do Blog Mundo Cão, sugiro a leitura na integra do ultimo post de 29/015 “Terrorismo turco com a cobertura da NATO” do qual extraio elementos que vou publicar a fim de tornar, espero, mais perceptível a situação aí descrita.]


O avião militar russo:
  • foi abatido em 24/2015, pela força aérea turca; 
  • alegadamente teria violado o espaço aéreo turco;
  • de facto, violou durante 17 segundos, e “de raspão”, o espaço aéreo turco;
  • caiu em território sírio.

Dados conhecidos:
O Pentágono tinha sido informado pela Rússia da incursão - local, datas e horário ao pormenor-  que esteve implicada no derrube do avião russo.
Os caças turcos saíram às 8 e 40 h de uma base a cerca de 400 km do local do incidente  em perfeita conjugação com os dados fornecidos ao Pentágono.
Não há qualquer documentação de advertência prévia ao avião russo por parte da Turquia.
A agressão não foi condenada pelo Ocidente (EU, NATO, Europa);
A NATO mostrou-se solidária com a Turquia apesar de conhecer os pormenores do incidente.
Os E.U. abstiveram-se de confirmar a versão turca de violação do espaço aéreo. 

O que informalmente se sabe:
Sabe-se que a Turquia fecha os olhos ao trânsito de jiadistas na guerra contra a Síria e contra Assad. Desse modo, torna-se conivente com o terrorismo: permite o financiamento do EI, permite o transito de terroristas para a Síria. (Hollande já o percebeu e pede o fechamento de fronteiras entre os dois países.)

Sabe-se que Bilal, filho de Erdogan coordena o contrabando de petróleo que financia o EI; sabe-se que a família de Erdogan tem laços com o príncipe saudita conhecido como “o tesoureiro da Al-Qaida".


Algumas conclusões deduzidas dos dados conhecidos:
Os Estados membros da aliança Atlântica têm de responder  e dar explicações sobre este traiçoeiro atentado, tanto mais que se dizem empenhados na luta contra o EI e portanto não se percebe como permitem o ataque a alguém que está no terreno a corporizar essa luta.

Nesta fotografia, os que ficam pior são os EU e a Europa que inclusivamente ainda não percebeu que a Turquia se está a transformar numa ditadura fundamentalista.

Financeirização da Economia e suas perversidades


A FE significa basicamente que o foco da economia se centra no financiamento da produção ao invés de se centrar na produção; significa que o capitalismo entrou numa nova fase: a do capitalismo financeiro; significa o controlo da economia pela finança e ainda, e mais descaradamente do que nunca, o controlo da política pela finança. Portanto, temos aqui três esferas, ligadas mas distintas: economia, finança e política e temos a dominância de uma, a finança, sobre as outras duas.

Em termos muito gerais, lembremos que a Economia tem a ver com a produção dos bens que são necessários à sobrevivência  e reprodução dos indivíduos; que a Política tem a ver com a forma como a sociedade se organiza a diversos níveis, nomeadamente a nível económico e financeiro; e a Finança tem a ver com os instrumentos que devem servir a economia. Aqui encontramos a primeira perversidade, isto é aquela que deveria ocupar o lugar de maior relevo, a política, está subordinada à menos relevante, a finança, que, de permeio, domina também a economia. E isto é uma simples questão de lógica com a qual, penso, todos estarão de acordo.

Esta perversidade - domínio da política e da economia pela finança - confirma e acentua a natureza de exploração inerente ao sistema capitalista: por um lado, há os que lideram a produção de bens e exploram aqueles que efetivamente os produzem, os trabalhadores; por outro, há os que financiam os empreendimentos e exploram os próprios donos dos empreendimentos produtivos. Acontece ainda com a FE que o dinheiro, simples instrumento facilitador das transações, se transforma ele próprio em mercadoria, em bem (é assim que falamos em mercado de capitais e em fluxos de capitais).

Temos pois que se cria um ciclo em que a finança controla a economia porque, se lhe negar crédito, a asfixia, e controla a política, obrigando os políticos a tomar decisões que considere convenientes. Acresce ainda que a globalização e a facilidade de circulação de capitais lhe fornecem uma arma suplementar de chantagem para dominar os decisores políticos.


Por todas estas razões, e por outras que eventualmente ignorei, torna-se imperioso que a política reverta a situação, começando por regulamentar a atividade financeira e por criar instrumentos financeiros públicos que lhe garantam alguma autonomia que evitem os estrangulamentos orquestrados pelos privado e que os banqueiros privados se transformem nos DDT.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Estado Mínimo e retrocesso civilizacional


Aqueles que pregam o ‘estado mínimo’ pretendem que seja o ‘mercado livre’ a fornecer os serviços de que a sociedade necessita; desse modo colocam em causa os direitos sociais e propõem  um autêntico retrocesso civilizacional.
Como sabemos, a partir dos inícios do século XX e no decurso desse século, sentiu-se a necessidade de substituir um modelo de  Estado que até aí se encontrava ao serviço dos interesses do capital e que se preocupava fundamentalmente com as tarefas de policiamento e segurança  por outras modalidades de Estado, que foram inicialmente o “Estado providência”, passando pelo “Estado Social”, e pelo “Estado do Bem Estar”. Assistiu-se assim a um avanço civilzacional que se julgava uma conquista definitiva e inegociável.
Mas as forças reacionárias não desistem e já perceberam que o importante para já é ganhar a ‘batalha cultural’, por isso não se cansam de exaltar as virtudes do ‘livre mercado’ e a defesa do ‘estado mínimo’. Bruno Zaffari, empresario brasileiro,  em novembro (23) de 2015 em entrevista à Zero Hora, resume essa posição de forma exemplar:
“É o livre mercado que incentiva cada indivíduo a inovar e buscar os limites de sua capacidade, contribuindo assim para uma sociedade mais próspera. Ainda que não seja perfeito, transforma o consumidor em soberano e é o único sistema que permite que as mais diversas necessidades, de alimentos a serviços complexos de tecnologia, sejam atendidas ao menor custo.”
O mesmo Bruno Zaffari considera que o Estado interventivo retira capacidade de escolha aos cidadãos. Todavia, quanto a este último ponto, deveria dizer-se o que Marx respondeu aqueles que se opunham à suposta abolição da propriedade privada; Marx enfatizou que essa abolição só atingiria uma minoria que a detinha e em nada prejudicaria a imensa maioria da população. Do mesmo modo o Estado só retiraria oportunidade de escolha a quem pode escolher que, infelizmente, continua a ser uma minoria.
Claro que o Estado precisa de se desburocratizar, sem se deixar corromper, e sem cair no nepotismo; claro que deve racionalizar os gastos e evitar os desperdícios, mas também precisa de proteger os cidadãos da natureza predatória do mercado e dos desvarios do capital.
Políticas levadas a cabo em vários locais e épocas, como, por exemplo,  no Brasil, o programa Fome Zero, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos e o Prouni  (que prevê cotas para possibilitar o acesso á universidade de estudantes de outra maneira irremediavelmente afastados) permitiram tiram da pobreza milhões de pessoas que pura e simplesmente não tinham liberdade para escolher no ‘mercado livre’.

Não deixa de ser curioso que os amantes da liberdade (liberdade formal, leia-se) são sempre aqueles que tem poder económico para poderem fazer escolhas, atropelando a liberdade dos outros.

domingo, 8 de novembro de 2015

Das razões do declínio da Esquerda


Faço aqui o resumo e comentário da leitura de um artigo publicado pela revista francesa La Vie, de 15-10-2015, que corrobora muito do que tenho pensado sobre aquilo que o autor, Gaël Brustier, designa de “hegemonia cultural”:

Gaël Brustier, cientista político, publicou recentemente À demain Gramsci. Retomando as ideias defendidas pelo filósofo António Gramsci, co-fundador do partido comunista italiano (1921), Brustier defende que o declínio da esquerda e a sua incapacidade em mobilizar vastos setores da sociedade decorre de os partidos que a representam terem desistido de travar a batalha cultural.

Gramsci nos Cadernos do Cárcere cunhou um termo/conceito que se reveste de particular importância, mas que tem sido negligenciado pela esquerda e que é o conceito de “hegemonia cultural”. Quem tiver a hegemonia cultural convence as pessoas de que as suas propostas são as melhores e de que não há alternativa. Logo, a luta pela hegemonia cultural é muito importante e é  tanto mais importante quanto a direita tem tudo para a ganhar: meios de comunicação, elites preparadas nas melhores escolas, dotadas de uma capacidade retórica e argumentativa invejável.
 A direita já percebeu o que a esquerda tarda em apreender: é que para ganhar, no quadro das democracias formais, não basta dominar o poder militar ou os meios de produção, é preciso convencer as pessoas de que as suas propostas são as melhores e de que não há alternativa. Ter a hegemonia cultural significa formar opinião e construir o senso comum, isto é, aquilo que o comum das pessoas pensa acerca dos temas mais candentes e problemáticos; de notar que o senso comum tende a ser acrítico e assim, uma vez estabelecido, torna-se muito difícil desalojá-lo.

Essa luta pela hegemonia cultural tem de travar-se em várias frentes, desde o campo político ao campo social em questões como, por exemplo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a interrupção da gravidez, os paraísos fiscais, a dívida pública, etc., etc. e tem de ser travada no plano da retórica e da argumentação, encontrando-se formas criativas e pregnantes para transmitir mensagens fortes, mensagens que fiquem. As questões e as soluções estão longe de ser óbvias e é preciso defendê-las com unhas e dentes, como,aliás, a direita faz e muito bem.

Ora ao invés de refletir sobre esta questão e de travar esta luta a esquerda tem 
sistematicamente assumido uma atitude negligente que só pode conduzir ao desastre.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Desigualdade económica e capitalismo


 
Continua de pé a tese de que o sistema capitalista tende a acentuar a desigualdade económica, contrariamente à opinião dos que defendem que com a criação de riqueza as sociedades tenderiam a uma maior igualização.
 
É facto conhecido que entre 1920 e 1970, as desigualdades económicas diminuíram significativamente, particularmente nos países desenvolvidos (Estados Unidos e Europa); mas hoje sabe-se que isso se ficou a dever não ao funcionamento do sistema económico - de natureza capitalista - mas devido a fatores exógenos que nada tiveram a ver com esses sistema (como muito bem explica Piketty em O Capital no século XXI). Um dos fatores que contribuiu para uma maior igualização foi a destruição de patrimónios operada pelas duas guerras mundiais; o outro decorreu do clima da guerra fria entre o Ocidente e a União Soviética, com os receios por parte dos países ocidentais de que as suas populações passassem a simpatizar com o programa comunista; tais receios permitem compreender os '30 gloriosos anos' (1950-1980) de políticas de bem estar social que também contribuiram para a redução as desigualdades.

Todavia, uma vez removido esse receio com a eclosão pressentida e efetivada no final da década de oitenta do bloco soviético, a direita pôde retomar o programa liberal ou melhor neoliberal de que nunca desistira e assistimos com Reagan nos Estados Unidos e com Tatcher no Reino Unido ao realinhamento de políticas tendentes a, no mínimo, descaraterizar e enfraquecer o estado de bem estar social com o consequente aumento das desigualdades económicas. Paradoxalmente, apesar da crise financeira e económica de 2008, assistimos, um pouco estupefactos, a um fenómeno que poucos de nos esperaríamos que ocorresse: as desigualdades não só não diminuíram como aumentaram.

É desse crescimento da desigualdade que nos dá conta o relatório anual sobre a riqueza no mundo do banco Credit Suisse, do ano de 2015 que conclui que a cada 100 pessoas no mundo, uma detém riqueza equivalente à soma das 99 restantes. Nesse sentido, o economista Márcio Pochmann em artigo da Rede Brasil – RBA de 02-11-2015, escreve:

Dos mais de 4,8 biliões de habitantes adultos que vivem em mais de 200 países no planeta terra, somente 0,7% do total de pessoas (34 milhões) concentra mais de 45% da riqueza do mundo, enquanto os 10% mais ricos monopolizam quase 90% de todos os ativos. A cada dois ricos no mundo, um reside nos Estados Unidos, seguido dos chineses e dos ingleses.”

Isto trocado em miúdos significa que o número de milionários tem subido e previsivelmente vai continuar a subir, mas o mesmo vai acontecer ao numero de pobres, pelo que se torna plausível concluir que a tendência do sistema capitalista vai no sentido da concentração da riqueza e da acentuação da desigualdade entre ricos e pobres e não é de esperar que a situação se altere, dada a natureza do modo de produção capitalista e da lógica que subjaz ao sistema.








segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O Tratado Transpacífico – Trans-Pacific Partnership (TPP) - e o capitalismo neoliberal


Tanto a esquerda como a direita continuam a acreditar que a chamada fase do capitalismo neoliberal implica retirar ao Estado poder de intervenção, pois ainda não  se percebeu que o que se está a passar é que o Estado foi capturado pela finança e intervém sim, mas intervém para fazer aquilo que interessa à finança – de notar que o intervencionismo estatal só foi execrado enquanto se temia que ele pudesse estar ao serviço dos cidadãos.
É neste novo contexto neoliberal que devem ser entendidos tratados como o Tratado Transpacífico (Trans-Pacific Partnership TPP) que está a ser negociado em segredo e deve ser assinado por 12 países: E.U. Japão, Malásia, Vietnam, Singapura, Brunei, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, México, Chile e Peru, com uma posição nitidamente hegemónica dos E.U. e da moeda americana.

A favor deste tratado alega-se que promoverá o crescimento económico; contra alega-se que deslocará o emprego dos países desenvolvidos para os menos desenvolvidos e critica-se o secretismo que tem envolvido as negociações.

O objetivo declarado do tratado é aprofundar os laços económicos entre estes países, eliminando progressivamente tarifas - de acordo com o tipo de produtos e setores da economia - e facilitando o comércio para promover o crescimento. Com este tratado pode criar-se um mercado amplo comparável ao da União Europeia, dominado pelo dólar. O que está em jogo são 800 milhões de habitantes/consumidores, quase o dobro da união europeia, e cerca de 40% do comércio mundial.

Os críticos do tratado denunciam o facto de marginalizar a China, a Rússia e a Europa e dizem ainda que facilita a vida ás grandes corporações capitalistas que passam a poder acusar os governos que mudem as suas políticas, por exemplo, em saúde e educação, para favorecer serviços fornecidos pelo Estado. É ainda acusado de promover a competição dos trabalhadores entre diferentes países Mas a principal crítica é que o tratado com todo o seu secretismo pode vir a incluir matérias nas quais os cidadãos deveriam ser previamente ouvidos, minando assim a natureza do estado democrático, para mais uma vez corresponder aos interesses da finança internacional.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Renda básica para todos os habitantes


A Finlândia (sempre ela!) deve começar, em 2017, a testar um sistema em que todos os habitantes do país vão receber uma "renda básica", mesmo que não trabalhem.

A reportagem é de Gabriela Bazzo, publicada por Brasil Post, 21-10-2015.

Proposta pelo governo recém-eleito, liderado pelo partido centrista, a política conta com o apoio de 70% da população, de acordo com uma pesquisa conduzida em setembro. Ainda de acordo com a publicação, a maioria dos entrevistados acredita que um bom nível de renda básica seria de 1.000 euros por mês.

Já especialistas ouvidos pela RFI Brasil afirmam que a renda mínima ideal obedece uma equação complicada: ela deve ser suficiente para tirar pessoas da pobreza, mas também não pode ser tão alta a ponto que não haja mais necessidade de trabalhar.

O tema interessa particularmente aos desempregados: atualmente, cerca de 10% da força de trabalho finlandesa está inativa, algo em torno de 280 mil pessoas.

Em entrevista à BBC no mês de agosto, o premiê finlandês, Juha Sipila, afirmou que um programa de renda básica iria "simplificar" o sistema de segurança social no país, que envolve vários benefícios. De acordo com a RFI Brasil, entre os objetivos do projeto está reduzir os gastos com programas sociais.

Além disso, a renda básica poderia encorajar os finlandeses que estão sem empregos a procurarem vagas temporárias, que envolvem benefícios bem menores. De acordo com partidários do movimento, uma renda básica também tornaria possível que as pessoas trabalhassem em cargos que lhes interessam mais, independente da remuneração.

De acordo com Stanilas Jourdan, co-fundador do Movimento Francês para a Renda Básica há um grupo de trabalho composto pelo Instituto de Pesquisas Econômicas, por pesquisadores da Universidade de Tampere e por outros pesquisadores independentes que vai estabelecer os parâmetros do projeto piloto.

Caso saia, de fato, do papel, o experimento será o primeiro a ser colocado em prática em uma nação desenvolvida desde os anos 1970, de acordo com o Basic Income Earth Network.

De acordo com informações da BBC, o projeto piloto deve ser testado com 8.000, que vão receber valores que variam entre 400 e 700 euros (R$ 1.787 e R$ 3.128). A ideia pode, no entanto, esbarrar na Constituição Finlandesa, que prevê tratamento igualitário a todos os habitantes

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Serviços sociais – boa qualidade e universalidade são requisitos fundamentais


Há quem defenda - ingénuamente ou não, fica por esclarecer - que os impostos cobrados pelo Estado para políticas de proteção social não devem reverter em benefício de todos, mas apenas daqueles que têm específicas carências; afinal, aqueles que podem pagar não precisariam desse apoio. Todavia, desse modo de raciocinar decorrem vários riscos porque, se assim fosse:
  1. Os que se encontram melhor discutirão a legitimidade de pagar para os que estão pior, o dinheiro custou-lhes a ganhar, foi legitimamente adquirido, não roubaram ninguém e consideram que tirar-lhes nem que seja uma pequena porção através de imposto é um ataque à sua liberdade, um autêntico roubo perpretado pelo Estado. É essa a linha de argumentação das posições libertaristas de Robert Nozick e outros.
  2. Poderia haver a tentação para estabelecer serviços minimos e de qualidade discutível, tipo assistência para pobres que apenas mascaravam as carencias e não resolviam o problema da falta de igualdade de oportunidades.

Estas são boas razões para que o dinheiro cobrado através dos impostos deva reverter em benefício de todos, em serviços como educação pública, saúde pública, sistema de pensões etc. depois quem quiser recorrer a privados pode fazê-lo, mas por sua conta e risco e sem ter de se queixar porque têm serviços de boa qualidade à sua disposição e só não os utiliza porque não quer. Deve pois apostar-se na qualidade dos serviços. Claro que os privados podem não gostar, mas tanto pior para os privados.

Neste quadro, percebe-se que os governos inspirados no neoliberalismo, embora tenham dificuldade em negar o estado de bem estar social (perderiam apoio popular) contribuam para lhes retirar qualidade, investindo neles menos recursos e apoiando mais ou menos discretamente os equivalentes serviços privados (lembremos o cheque educação para as familias poderem escolher escolas privadas para as crianças ou as parcerias com serviços de saúde privados a quem pagam serviços que poderiam, se devidamente apoiados, ser prestados no Público.)


sábado, 24 de outubro de 2015

MERCADOS FINANCEIROS E DEMOCRACIA


Numa entrevista recente concedida à revista IHU On-line, o economista Andrea Fumagalli explica como os mercados financeiros estão longe de ser democráticos e como podem mesmo ditar a morte da democracia.

Quanto à sua composição, os mercados financeiros, embora contenham um número imenso e incontável de investidores, funcionam como uma pirâmide que tem no vértice 'os tubarões' - um pequeno número que controla 65/ do fluxo total de capitais.
Quanto ao modus operandi, é essa minoria que determina a dinâmica e a orientação do mercado e toma decisões que afetam a vida das pessoas.

Sobre o modo como essas decisões afetam as nossas vidas, todos conhecemos direta ou indiretamente experiências negativas relacionadas com juros e com dívida pública e privada; no fundo essa foi a maneira que a oligarquia que controla os mercados encontrou para transferir riqueza dos pobres para o ricos. Por exemplo, em relação à dívida pública, o que acontece é que os que têm mais recursos em vez de pagarem impostos para subsidiarem serviços sociais, de segurança, transportes ou vias de comunicação, de que também beneficiam direta ou indiretamente, emprestam dinheiro ao próprio Estado, e depois obrigam-no a tirar 'à força' aos que poucos recursos têm, para além da sua capacidade de trabalho, para pagar o empréstimo e para, como maviosamente dizem, custear o 'serviço da dívida'. É assim que ocorre aquilo a que os economistas (alguns) chamam de transferência de rendimento do trabalho para o capital. E é também assim que se está a matar a democracia e a lançar o descrédito sobre os políticos do regime.

Aqui vai o texto, abreviado e adaptado de AndreFumagalli:

O pensamento neoliberal fundamenta-se no conceito de neutralidade da moeda e na suposição da perfeita competição nos mercados financeiros. Na verdade, os mercados financeiros não são imparciais e neutros, mas expressão de uma hierarquia bem precisa: longe de serem concorrenciais, escondem uma pirâmide que vê, na parte superior, poucos operadores financeiros controlando mais de 65% de fluxos globais e, na base, uma miríade de pequenos investidores e operadores desempenhando uma função passiva. Tal estrutura permite que poucas empresas tenham capacidade de atingir e afetar a dinâmica do mercado. As agências de rating (amiúde em conluio com as financeiras) ratificam, de modo instrumental, decisões oligárquicas, tomadas de tempos em tempos.
Com tal farsa, o pensamento neoliberal tenta fazer passar como objetiva, neutra e naturalmente dada, uma estrutura de poder que, ao contrário, objetiva favorecer uma distribuição que vai dos mais pobres para os mais ricos. (...)
No mesmo momento em que as hierarquias do mercado ditarem as escolhas da política económica, e o próprio mercado estabelecer as regras das relações humano-sociais, a democracia, entendida como processo de decisão resultante de um princípio dialético, está morta.
(…) A desconfiança da "política" surge no exato momento em que ela se torna uma caixa vazia, que ratifica decisões tomadas em outros lugares. É consequência, não causa, da prevalência do poder económico sobre o poder político e sobre o direito.”


quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Meritocracia e seus embustes

 No excerto de uma entrevista concedida pelo economista Antônio Albano de Freitas à IHU On-Line em Outubro de 2015, ficamos alertados para o que representa a meritocracia, que se revela, afinal, como um sistema bem oleado para enganar tolos e manter o statu quo.

“Na modernidade, compramos a ideia de que “se nos esforçarmos” conquistaremos um espaço. Logo, com trabalho, estudo e capacitação poderemos nos tornar trabalhadores mais qualificados e com mais capacidade de geração de renda. Entretanto, como alerta o economista António Albano de Freitas em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, esse modelo tem limites. A concentração de renda é o primeiro.
“Um dos perigos de tamanha concentração de rendimentos é a reprodução do statu quo ao longo do tempo. Isto é, o perigo de agravamento da desigualdade de oportunidades e da imobilidade intergeracional, tendo em vista que heranças de património, por exemplo, têm um papel proeminente na transmissão de vantagens entre gerações para as classes mais afortunadas”, explica.
Ou seja, o filho do “nobre” sempre terá mais oportunidade que o do “plebeu”, embora esse “plebeu” se “esforce” e “mereça” mais. “Daí decorre a perversidade da ideologia meritocrática na sociedade contemporânea, pois as condições iniciais de vida são completamente distintas entre os indivíduos. E, no entanto, depositam-se apenas sobre as elites as virtudes morais pessoais, tais como paciência, trabalho, esforço, etc.”, destaca Freitas.
António Albano de Freitas - Desde os anos 1970, tem ocorrido um aumento da participação dos patrimónios herdados na riqueza total, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Após um período, ao longo dos anos 1914-1945, em que os patrimónios foram abalados por choques como destruições, inflação, falências e expropriações, a importância da herança tem crescido regularmente. Ainda que a situação não esteja no nível alcançado nas sociedades aristocratas dos séculos XVIII e XIX, em que os 10% mais ricos possuíam 9/10 da riqueza, atualmente estes últimos possuem 2/3 do bolo.
Um dos perigos de tamanha concentração de rendimentos é a reprodução do status quo ao longo do tempo. Isto é, o perigo de agravamento da desigualdade de oportunidades e da imobilidade intergeracional, tendo em vista que heranças de património, por exemplo, têm um papel proeminente na transmissão de vantagens entre gerações para as classes mais afortunadas.
Daí decorre a perversidade da ideologia meritocrática na sociedade contemporânea, pois as condições iniciais de vida são completamente distintas entre os indivíduos. E, no entanto, depositam-se apenas sobre as elites as virtudes morais pessoais, tais como paciência, trabalho, esforço, etc.
IHU On-Line - Quais as contribuições da obra O capital no século XXI, de Thomas Piketty para entender a desigualdade no mundo? Que perspectivas abre acerca da realidade brasileira?

António Albano de Freitas - A obra O capital no século XXI, de Piketty, nos ajuda a entender a desigualdade no mundo, pois vai além da dispersão salarial em sua análise. Vai além das diferenças na hierarquia dos salários e do mercado de trabalho, ainda que estas sejam importantes e estejam se acentuando por conta da elevação na razão dos rendimentos dos super executivos sobre o do trabalhador médio.
Piketty aponta, em síntese, que quando a taxa de rendimento do capital é muito mais alta do que a taxa de crescimento da economia, é quase inevitável que a herança (o património herdado no passado) predomine em relação à poupança (o património originado no presente). De modo que o empreendedor tenda a se transformar em rentista e as riquezas vindas do passado progridam automaticamente de forma mais rápida — sem ser necessário trabalhar — do que as riquezas produzidas pelo trabalho, a partir das quais é possível poupar.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Dívida pública - algumas reflexões

A dívida pública é uma dívida assumida pelo Estado a terceiros que resulta normalmente de um desequilíbrio entre o valor das despesas realizadas e o valor das receitas arrecadadas.

As despesas do Estado são relativas aos custos do próprio funcionamento do aparelho estatal e aos serviços que presta aos cidadãos que vão desde a construção e manutenção de estradas, segurança, assistência médica, educação, etc. Algumas das despesas do Estado são, pelo menos aparentemente, exageradas ou supérfluas (as famosas gorduras de que tanto se falou ultimamente) e vão desde a atribuição de elevados honorários e mordomias a detentores de cargos políticos, até aos desperdícios nos gastos e má gestão dos mesmos. Por vezes surgem despesas extra como quando acontece quando é preciso despender quantias, geralmente astronómicas, com o aparelho militar (curiosamente, o racional para essas despesas raramente é posto em causa ou evidenciado pelos meios de comunicação social). Por exemplo, neste domínio, os Estados do Ocidente, na época moderna, nomeadamente a França e a Inglaterra, acumularam dívidas públicas enormes, contraídas sobretudo para custearem guerras.

O fenómeno da dívida pública não é dos nossos dias, desde que há conhecimento de contas de despesas públicas, há conhecimento de dívida pública. Quando há dívida pública podem tomar-se várias medidas, uma delas é tentar corrigir o problema do desequilíbrio, reduzindo as despesas; outra seria resolvê-lo aumentando as receitas; uma terceira é pedir dinheiro emprestado. A mais tentadora é sem dúvida a terceira, embora esteja longe de ser a mais acertada. Reduzir as despesas significaria sobretudo acabar com rendimentos excessivos e mordomias e gerir bem a 'coisa pública', mas aqui há logo o entrave dos que se sentiriam prejudicados e da incompetência dos gestores. Aumentar as receitas significaria aumentar impostos o que foi sempre igualmente impopular tanto entre aqueles que têm alguma coisa como sobretudo entre os ricos, os que mais poderiam contribuir. Resta contrair dívida e aqui os ricos estão normalmente bastante disponíveis para emprestar dinheiro ao Estado: percebem desde logo que lhes é muito mais vantajoso emprestar do que 'dar' coercivamente.

Emprestar dinheiro ao Estado, antes como ontem, continua a ser um bom negócio para os prestamistas: recebem juros, em princípio elevados para ser atrativo emprestar, e ao fim de alguns anos têm o dinheiro de volta só em juros, além disso, o Estado em princípio paga, é certo que pode desvalorizar a moeda e com ela o valor do dinheiro, pode levar anos pagar, mas assume sempre a dívida e podem exigir-lhe que venda património para a pagar (ver o caso das privatizações em Portugal que afinal só têm favorecido os privados que compram barato e no fim nem estamos bem a ver para onde vai o dinheiro, mas parece que nem tem ido para amortizar a dívida já que esta não para de crescer. Como sabemos, em 2011 Portugal recebeu um empréstimo de 77 mil milhões de euros, ora por ano paga com o eufemístico serviço da dívida (juros) mais de 7 mil milhões, portanto fazendo as contas ao fim de mais ou menos dez anos os credores já recuperaram o dinheiro que emprestaram e continuarão a receber juros enquanto a dívida não for totalmente paga. Entretanto, o país vende ao desbarato o património público (vende à pressa), não resolve o problema estrutural, que tem a ver com o seu desenvolvimento económico e, obviamente, por último mas não menos importante, fica nas mãos dos credores que se sentem com força para ditarem o que devemos fazer e como devemos fazer. O caso recente da Grécia pôs a nu esta importante vantagem da finança – que vive de fazer render o dinheiro, transformado em autêntica mercadoria, - sobre a política, pois desse modo captura o poder político.

Resumindo, da dívida pública decorrem algumas vantagens não negligenciáveis:

  • Os ricos, em vez de simplesmente pagarem os impostos que os seus rendimentos e património justificariam, emprestam dinheiro ao Estado em condições que lhes são muito vantajosas.
  • O Estado fica refém dos credores e a Finança dita a Política.
  • Os ricos ficam mais ricos pois que direta ou indiretamente lucram com a venda do património do Estado (privatizações)

Por tudo isto é que, a nível mundial, 1% da população mundial detém 50% de toda a riqueza mundial.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Abstenção - à procura do racional


Verificou-se mais uma vez, com as eleições de ontem, realizadas em Portugal, que a abstenção tendeu a ser  a principal protagonista. Encontrar o racional para este fenómeno deveria levar-nos a reflectir sobre  a promiscuidade entre a política e o 'mercado' (interesses económicos).
 Esta promiscuidade funciona a favor do mercado porque é este (interesses económicos) que dita as decisões que os políticos vão tomar. Basicamente não há aqui novidade nenhuma; sempre têm sido assim, em diferentes tempos e espaços, desde os períodos mais remotos;  mas hoje, na media em que os regimes políticos se reclamam da democracia e pretendem ser legitimados pelos cidadãos, não deveria ser assim e é por isso que, do ponto de vista formal,  se alega independência.
O problema com a promiscuidade entre mercados e política é que a política fica refém dos mercados e então não há de facto democracia porque nem o povo, através do voto, nem os políticos, por ele escolhidos, têm poder de decisão, como se viu recentemente no caso da Grécia. Mas o mercado não dita só como os políticos devem decidir, dita também como a vida das pessoas, a nossa via, vai ser; por exemplo, como hoje se gosta de dizer, as pessoas têm de se habituar à instabilidade e à insegurança no emprego e ao trabalho precário. São os novos tempos e não há alternativa.

É neste fenómeno – contaminação da politica pelos mercados - que radica o descrédito das pessoas nos políticos: julgam que são eles os culpados, mas o que acontece é que eles ou são coniventes com os interesses económicos em jogo (e aí de facto são culpados), ou estão reféns do sistema económico (e aí a sua culpa é atenuada pela impossibilidade de mudarem as estruturas. O sistema económico continua a ser,como bem sabemos, capitalista e só por mera conveniência  aceita, ou finge aceitar, as estruturas democráticas.