domingo, 27 de março de 2011

Contradições da intervenção na Líbia

O mandato da ONU para a Líbia previa o controlo do espaço aéreo para evitar que as forças de kadafi bombardeassem civis e pusessem em curso um massacre da população. Mas afinal o que está a acontecer é que as forças da coligação não se estão a limitar a este mandato e estão a atingir alvos militares de kadafi independentemente de estes estarem ou não a ser usados contra populações civis, tanto quanto sabemos até nem estão.
Por outro lado, começam a ouvir-se vozes de altas figuras, como Obama e Clinton que exigem a retirada de Kadafi o que afinal revela, como se costuma dizer, o gato escondido com o rabo de fora: parecem estar apenas a aproveitar a oportunidade, invocando hipocritamente a defesa de civis, para se desfazerem de um líder instável e por vezes imprevisível em relação aos interesses do Ocidente.
Para se justificarem socorrem-se do apoio da chamada Liga Árabe que afinal, bem vistas as coisas, é ela própria constituída por um conjunto de ditadores que, tanto como Kadafi, oprimem os seus povos. Postas as coisas nestes termos coloco em dúvida a legitimidade desta intervenção que parece estar a ser movida mais pelos interesses do petróleo do que por quaisquer considerações humanitárias.
Resta ainda saber se os «libertadores» não estão a ser manipulados, como já se diz à boca cheia, pela famigerada Al Qaeda; se tal estiver a acontecer então Europa e companhia podem realmente limpar as mãos às paredes por mais uma cagada monumental.

Contradições do sistema capitalista

Para além da contradição entre os capitalistas e os trabalhadores, que se traduz em antagonismo e luta de classes, existe contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e a propriedade privada dos meios de produção que leva a desemprego crónico e a crises económicas cíclicas.
O desenvolvimento das forças produtivas, possível através da investigação cientifica e da descoberta de novas técnica, permite o aumento da produção de bens que deveria implicar preços mais baixos, mas os capitalistas, como detém os meios de produção e os circuitos comerciais e querem defender a estrutura classista da sociedade, só investem onde e quando o investimento é produtivo, não onde é necessário, e como detém o monopólio dos circuitos comerciais não permitem que os preços baixem, mantendo-os artificialmente elevados.
O desenvolvimento tecnológico permite produzir mais e com menor incorporação de força de trabalho humano, mas esta boa notícia não tem qualquer efeito prático, bem pelo contrário, porque, ao invés de se aumentar o tempo de lazer dos trabalhadores e de se reorganizar o mundo do trabalho, despedem-se trabalhadores e mantém-se as exigências em relação aos que ficam. Por isso, “a automação que tem o potencial de libertar a humanidade do domínio da necessidade e de abrir as portas do domínio da liberdade é vista como uma ameaça pela classe trabalhadora.”*
*Martha E. Gimenez, Marxism and Feminism, Originally Pulblished in Frontier: A Journal of Women's Studies. Vol 1, No 1, Fall, 1975.

terça-feira, 22 de março de 2011

A viragem à direita será inevitável?

A eleição de Obama lançou uma onda de esperança nos Estados Unidos e no mundo, mas volvidos cerca de dois anos, esse capital foi profundamente defraudado e isto porque Obama está refém da direita política conservadora e pouco ou nada pode fazer para pôr em prática mudanças progressistas. Como muito bem observou Maria Da Conceição Tavares, ilustre economista brasileira, numa entrevista dada recentemente, Obama não tem base social de apoio, ou melhor tem mas é como se não tivesse, pois foi eleito pelo voto jovem e pelo voto negro e negros e jovens não pesam na sociedade norte-americana, não têm força. A força está do lado do capital financeiro que sobreviveu à crise com a ajuda do Estado e que se recompôs graças ao investimento estrangeiro na Bolsa - sempre em busca dos melhores «revenues» - e a direita política que dispõe da maioria de representantes no Congresso e que derrota quaisquer propostas realmente progressistas. Assim tanto na base, económica, como na super-estrutura, politica, quem manda são os conservadores. Entalado entre estes dois blocos, que afinal são farinha do mesmo saco, Obama «grita mas não decide». E o mais preocupante é que afinal foram os democratas que preparam este cenário «foram os anos Clinton que consolidaram a desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora.»
Deve todavia dizer-se que republicanos e democratas, nos Estados Unidos, e socialistas ou sociais-democratas na Europa, mais não fazem do que administrar politicamente o sistema de economia capitalista e, por isso, enquanto este não for seriamente questionado, o caminho vai ser inevitável; o que se verifica é que a alternância segue um padrão: quando as coisas parecem correr bem a administração é entregue aos democratas, quando correm mal a reacção intervém em força e toma conta do poder. Ora como actualmente, um pouco por todo o mundo, as coisas parecem estar a correr mal, a tendência é para a direita deixar os bastidores do poder e intervir directamente. Avizinham-se anos particularmente difíceis para quem gostaria que a humanidade avançasse e pergunto-me seriamente se não corremos risco de nova fascização.

domingo, 20 de março de 2011

"Obama foi anulado pelo conservadorismo de bordel dos EUA"


Excertos da entrevista exclusiva à Carta Maior, concedida pela economista Maria da Conceição Tavares
http://www.cartamaior.com.br/templates/index.cfm

CM- Por que Obama se transformou num zumbi da esperança progressista norte-americana?

Conceição - Os EUA se tornaram um país politicamente complicado... o caso americano é pior que o nosso. Não adianta boas idéias. Obama até que as têm, algumas. Mas não tem o principal: não tem poder, o poder real; não tem bases sociais compatíveis com as suas idéias. A estrutura da sociedade americana hoje é muito, muito conservadora – a mais conservadora da sua história. E depois, Obama, convenhamos, não chega a ser um iluminado. Mas nem o Lula daria certo lá.
CM- Mas ele foi eleito a partir de uma mobilização real da sociedade....

Conceição - Exerce um presidencialismo muito vulnerável, descarnado de base efetiva. Obama foi eleito pela juventude e pelos negros. Na urna, cada cidadão é um voto. Mas a juventude e os negros não tem presença institucional, veja bem, institucional que digo é no desenho democrático de lá. Eles não têm assento em postos chaves onde se decide o poder americano. Na hora do vamos ver, a base de Obama não está localizada em lugar nenhum. Não está no Congresso, não tem o comando das finanças, enfim, grita, mas não decide.
CM - O deslocamento de fábricas para a China, a erosão da classe trabalhadora nos anos 80/90 inviabilizaram o surgimento de um novo Roosevelt nos EUA?
Conceição - Os EUA estão congelados por baixo. Há uma camada espessa de gelo que dissocia o poder do Presidente do poder real hoje exercido, em grande parte, pela finança. Os bancos continuam incontroláveis; o FED (o Banco Central americano) não manda, não controla. O essencial é que estamos diante de uma sociedade congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada...
CM- É uma decadência reversível?
Conceição – É forçoso lembrar, ainda que seja desagradável, que os EUA chegaram a isso guiados, uma boa parte do caminho, pelas mãos dos democratas de Obama. Foram os anos Clinton que consolidaram a desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora.
CM - Esse colapso foi pedagógico; o poder financeiro ficou nu, por que a reação tarda? 
Conceição - A sociedade americana sofreu um golpe violento. No apogeu, vendia-se a ilusão de uma riqueza baseada no crédito e no endividamento descontrolados. Criou-se uma sensação de prosperidade sobre alicerces fundados em ‘papagaios’ e pirâmides especulativas. A reversão foi dramática do ponto de vista do imaginário social. Um despencar sem chão. A classe média teve massacrados seus sonhos do dia para noite. A resposta do desespero nunca é uma boa resposta. A resposta americana à crise não foi uma resposta progressista. Na verdade, está sendo de um conservadorismo apavorante. Forças e interesses poderosos alimentam essa regressividade. A tecnocracia do governo Obama teme tomar qualquer iniciativa que possa piorar o que já é muito ruim. Quanto vai durar essa agonia? Pode ser que a sociedade americana reaja daqui a alguns anos. Pode ser. Eles ainda são o país mais poderoso do mundo, diferente da Europa que perdeu tudo, dinheiro, poder, auto-estima... Mas vejo uma longa e penosa convalescença. Nesse vazio criado pelo dinheiro podre Obama flutua e viaja para o Brasil.
(…)
CM – A reconstrução japonesa, após a tragédia ainda inconclusa, poderia destravar a armadilha da liquidez que corrói a própria sociedade americana? Sugar capitais promovendo um reordenamento capitalista, como especula Paul Krugman?
Conceição - A situação da economia mundial é tão complicada que dá margem a esse tipo de especulação. Como se uma nuvem atômica de dinheiro pudesse consertar uma nuvem atômica verdadeira. Não creio. Respeito o Krugman, mas não creio. O caminho é mais difícil. Trata-se de devolver a nuvem atômica de dinheiro para dentro do reator; é preciso regular o sistema, colocar freios na especulação, restringir o poder do dinheiro, da alta finança que hoje campeia hegemônica. É mais difícil do que um choque entre as duas nuvens. Ademais, o Japão eu conheço um pouco como funciona, sempre se reergueu com base em poupança própria; será assim também desta vez tão trágica. Os EUA por sua vez, ao contrário do que ocorreu na Segunda Guerra, quando eram os credores do mundo, hoje estão pendurados em papagaios com o resto do mundo – o Japão inclusive. O que eles poderiam fazer pela reconstrução se devem ao país devastado?
CM – Muitos economistas discordam que essa nuvem atômica de dinheiro seja responsável pela especulação, motivo de índices recordes de fome e de preços de alimentos em pleno século XXI. Qual a sua opinião?
Conceição - A economia mundial não está crescendo a ponto de justificar esses preços. Isso tem nome: o nome é especulação. Não se pode subestimar a capacidade da finança podre de engendra desordem. Não estamos falando de emissão primária de moeda por bancos centrais. Não é disso que se trata. É um avatar de moeda sem nenhum controle. Derivam de coisa nenhuma; derivativos de coisa nenhuma representam a morte da economia; uma nuvem nuclear de dinheiro contaminado e fora de controle da sociedade provoca tragédia onde toca. Isso descarnou Obama.

É o motor do conservadorismo americano atual. Semeou na America do Norte uma sociedade mais conservadora do que a própria Inglaterra, algo inimaginável para alguém da minha idade. É um conservadorismo de bordel, que não conserva coisa nenhuma. É isso a aliança entre o moralismo republicano e a farra da finança especulativa. Os EUA se tornaram um gigante de barro podre. De pé causam desastres; se tombar faz mais estrago ainda. Então a convalescença será longa, longa e longa.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Capitalismo - quem diz que a humanidade é mentalmente saudável?!

Afinal é bom lembrar que o endividamento das famílias e dos países aparece como uma consequência natural do sistema capitalista que ao produzir tem de encontrar consumidores a qualquer custo, emprestando-lhes se for preciso dinheiro a juros especulativos e obrigando-os a trabalharem em quaisquer condições quanto mais não seja para irem pagando os juros que no fim do processo implicam que o credor receba o dobro ou mais do dinheiro que emprestou, num sistema económico em que o dinheiro deixa de ser produtivo e se limita a gerar mais dinheiro, ficando a cargo dos devedores produzirem cada vez mais e a mais baixos custos, para sanarem as dívidas, quer dizer passa a viver-se para trabalhar em vez de se trabalhar para viver, invertendo-se a ordem das prioridades.
Uma análise filosófica do trabalho e da sua natureza haveria de realçar que o trabalho é um meio e não um fim em si mesmo e que enquanto meio não deveria alienar o ser humano mas antes permitir a sua realização. Ora nada disto é assegurado no sistema capitalista de produção. Mas as pessoas na sua generalidade não se apercebem destas contradições nem interessa ao sistema que percebam.
Em minha opinião o principal defeito do sistema capitalista é não aceitar que deixar a economia e a finança fluírem sem controlo é uma maneira estúpida de lidar com a questão. Toda gente deveria saber que uma das principais vantagens de qualquer ciência é saber para prever o que vai acontecer e prever para prover isto é para adoptar medidas que permitam lidar com os acontecimentos e evitar aqueles que se consideram inconvenientes. Isto implica intervir, planificar, prevenir, etc. etc. Ora os defensores mais acérrimos do sistema capitalista defendem que nada disto se deve fazer, defendem uma espécie de laissez faire, laissez passer, esperando que a auto-regulação ocorra através de mecanismos de mercado de racionalidade duvidosa pois se baseiam no lucro a curto prazo, permitindo que se repliquem as anomalias e as injustiças sociais.
Claro que no curto prazo os detentores do capital financeiro enriquecem mais e os trabalhadores que produzem empobrecem mais, pois como têm dividas precisam de produzir, mesmo que os salários que lhes ofereçam sejam mínimos. E este círculo é difícil de quebrar quando o sistema bancário de um país, com a ganância do lucro, se endivida ele próprio para emprestar a juros apetitosos aos cidadãos desse país. Isto é um sistema de loucos, mas quem diz que a humanidade é mentalmente saudável?!

sexta-feira, 4 de março de 2011

Capitalismo - sistema económico desumano

Para compreendermos a tese defendida pelo marxismo de que o capitalismo é um sistema económico desumano, temos de partir da concepção de natureza humana que Marx teorizou.
Para Marx, o que nos torna humanos e nos distingue dos outros animais não é a razão, como pretendem os filósofos - Aristóteles definia o homem como animal racional - nem tão pouco a capacidade de produzir cultura; o que nos afastou da animalidade foi a capacidade para produzirmos os nossos próprios meios de subsistência, por outras palavras, foi o trabalho, pelo qual transformamos a natureza em objecto de fruição; o trabalho é assim fonte de humanização.
Na economia capitalista, o trabalho bem como as matérias-primas, instalações, máquinas, estrutura organizacional, constituem as forças de produção; estas, juntamente com o modo de produção, geram a super-estrutura (sistema jurídico, organização política, cultura). Ora o modo como a produção é organizada sob o sistema capitalista provoca a alienação do trabalhador e consequentemente a sua desumanização.
O modo de produção capitalista implica de um lado os empregadores e do outro os trabalhadores; os primeiros têm o monopólio dos meios de produção: matérias-primas, máquinas, instalações, domínio dos sistemas de comercialização e de comunicação. O trabalhador só conta com a sua força de trabalho. Este modo de produção supõe relações de produção que tem implícita uma natureza explorativa já que os empregadores têm todas as condições para explorarem os trabalhadores e obviamente não vão perder essa oportunidade. Assim, para além de ser um sistema de relações de produção, o capitalismo é concomitantemente um sistema de relações de poder e é um sistema extremamente assimétrico porque o poder do empregador é muito superior ao poder do trabalhador, completamente inoperante sem os outros meios de produção, e é esta assimetria de poder que transforma o contrato livremente assumido entre o empregador e o trabalhador numa verdadeira ficção porque a «liberdade» do trabalhador acaba por ser entre aceitar o contrato ou ficar sem trabalho
O paradigma da economia capitalista é a troca, ou, como hoje se diz, o mercado. Tudo tem valor de troca e é redutível a esse valor de troca. O trabalho tem valor de troca e, mediante contrato, o trabalhador coloca a sua força de trabalho ao serviço do empregador, em troca de um salário. Mas entre o que o empregador paga ao trabalhador, acrescido das despesas com os meios de produção, e o produto, tal como é vendido, há uma mais-valia de que o empregador se apropria.
Para além de o trabalhador não possuir alternativa real, há ainda outra razão que o condiciona a aceitar pacificamente a situação e essa prende-se com a ideologia capitalista que leva os trabalhadores e os empregadores a verem tudo sob o prisma da troca, aquilo a que Marx chama o fetichismo da mercadoria, a partir daí o trabalhador acha muito natural receber um salário que não corresponde ao que ele efectivamente produziu porque tudo está sujeito às leis da troca e do mercado e a troca e o mercado são livres, ninguém coage fisicamente ninguém. Quando um trabalhador acredita que é tão livre para entrar num contrato lesivo para os seus interesses como o é o empregador, sofre daquilo a que Marx chama falsa consciência e essa falsa consciência leva-o a acreditar que vive no melhor dos mundos possíveis e que nada vale a pena fazer para mudar a situação porque aquela em que vive é a única possível.
Mas, para além deste aspecto de exploração material que o sistema capitalista permite, há outro que tem a ver com uma forma de exploração numa outra camada mais profunda da personalidade humana e aqui entra o conceito marxista de alienação. A alienação é uma experiencia de estranhamento e de desintegração, de falta de unidade do «eu».
No trabalhador, integrado no sistema capitalista, a alienação reveste as seguintes formas: em primeiro lugar o trabalhador é alienado do produto do seu trabalho, porque não participa minimamente no processo decisório, funciona como mais uma máquina programada para produzir determinado produto. Há estranhamento entre o trabalhador e o produto do seu trabalho.
Em segundo lugar o trabalhador é alienado dele próprio porque, como não participa como ser humano no processo de planificação e de decisão, encara o trabalho como um fardo e só espera que finde a jornada  para então ser ele próprio; o trabalho em vez de o humanizar é fonte de desumanização.
Em terceiro lugar, o trabalhador é alienado da comunidade em que trabalha porque a lógica do sistema obriga-o a ver os outros como competidores numa luta implacável por promoções e prémios; a relação com os outros, ao invés de ser de cooperação é de competição.
Em resumo, um sistema económico em que o modo de produção implica exploração económica e psicológica, em que o trabalho, ao invés de ser meio de realização humana, é fonte de desumanização, não pode estar ao serviço dos seres humanos, o capitalismo revela assim a sua face desumana.