quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Precisamos de um racionalismo novo

“O conceito clássico de razão deve efetivamente ser revisto:
  • Depois de Marx e Freud, não podemos mais aceitar a idéia de uma razão soberana, livre de condicionamentos materiais e psíquicos.
  • Depois de Weber, não há como ignorar a diferença entre uma razão substantiva, capaz de pensar fins e valores, e uma razão instrumental, cuja competência se esgota no ajustamento de meios e fins. 
  • Depois de Adorno, não é possível escamotear o lado repressivo da razão, a serviço de uma astúcia imemorial, de um projeto imemorial de dominação da natureza e sobre os homens.
  • Depois de Foucault, não é licito fechar os olhos ao entrelaçamento do saber e do poder. 
Precisamos de um racionalismo novo, fundado numa nova razão. “

Rouanet, S. P. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 12.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A democracia direta será a solução?


Raquel Varela, em entrevista recente à Carta Capital (8/1/016) faz uma análise da situação de crise que temos vindo a atravessar. Começa por considerar que a crise levou, por um lado, a uma transferência de riqueza da classe média (que paga impostos) para os privados e, por outro, a um enfraquecimento do poder negocial do trabalho. A consequência mais grave foi, em sua opinião, a progressiva transformação do estado de bem estar social, construído a partir do pós-guerra, num estado assistencial. 
Raquel Varela só vê como solução para o problema, a transformação da democracia representativa em democracia direta.

Esta análise e a proposta sugerida são sem dúvida interessantes, mas ficam muitas questões em aberto; em primeiro lugar, quanto à análise, acho que não captou a origem e a explicação da crise; em segundo lugar, questiono-me sobre a viabilidade de uma democracia direta.

Vejamos um excerto da entrevista :

“Vivemos um modelo no qual os trabalhadores pagam ao Estado, que por sua vez entrega o dinheiro ao setor privado por meio, entre outros, das Parcerias Público-Privadas. Por conta da intervenção da Troika, Portugal teve a sua maior no setor bancário, além de gerar uma desregulamentação do trabalho pela flexibilização da mão de obra. Tudo isso é articulado pelo Estado, sem ter como objetivo a manutenção do pacto social do pós-Guerra. O modelo que fundamenta a social-democracia se esvaiu. 
A tendência em Portugal e na Europa é de alta concentração da riqueza. Em 1945, a diferença entre um rico e um pobre, ou um trabalhador manual qualificado na Europa, era de 1 para 12. Em 1980, subiu de 1 para 82. E hoje é de 1 para 530. A União Europeia é uma corporação de acumulação de capitais. E a acumulação é incompatível com a manutenção de serviços públicos de qualidade, por causa da queda tendencial da taxa de lucro. Esse foco tem como consequência a destruição do Estado de Bem-Estar Social. O que vemos em Portugal em particular e em outros países é na verdade a ascensão de uma assistência social, com a educação e a saúde públicas focadas cada vez mais nos pobres e desempregados e não em toda a sociedade. (…)
As classes dominantes estão muito mais bem organizadas do que os trabalhadores e temos de dar respostas a esses, mais fragmentados do que nunca, por meio da política. (…)
O problema aqui não é falta de consciência da situação, mas falta de organização. Quem vive do trabalho está profundamente atomizado, disperso. A retomada dessa consciência se dará por meio da democracia direta, e não representativa. Não é só decidir quem vai decidir. É decidir de fato. Os cidadãos têm de encontrar mecanismos de decisão nos seus locais de trabalho, hospitais e escolas que frequentam. O modelo de eleições a cada quatro anos, ou delegados sindicais a cada dois anos, não é mais suficiente. O desafio do século XXI é fazer da democracia representativa uma democracia direta, na qual os indivíduos têm o poder real e não de forma meramente ilustrativa.”


domingo, 10 de janeiro de 2016

Capitalismo e classe social


O conceito de classe, identificado e elaborado por Karl Marx, é fundamental para se perceber o fenómeno da exploração, pois coloca em evidência a sua estrutura, que de outra maneira pode ser ignorada. A partir do conceito de classe pode perceber-se em que consiste a exploração e compreender que ela ocorre porque existe uma classe que, tendo capital e sendo proprietária dos meios de produção, se encontra em condições de aproveitar do trabalho da outra classe - os trabalhadores - aqueles que vendem o seu trabalho por um determinado preço, embora devidamente ajustado e contratualizado.

Ora, a ideologia dominante ( que é a ideologia da classe dominate, a classe dos capitalistas) procura fazer passar a ideia de que já não existem classes sociais e que já não há luta de classes, anacronismos e irrelevâncias que não fazem sentido no discurso politico. 
De facto, a classe capitalista não está nada interessada em que as pessoas pensem em termos de pertença a uma ou outra classe e muito menos em termos de luta de classes e, como podemos constatar através dos meios de comunicação social, o conceito de classe social foi completamente afastado do discurso político e a noção de luta de classes varrida para debaixo do tapete.


Todavia, é um facto que a dinâmica do sistema capitalista supõe uma classe que é explorada por outra, supõe exploração e apropriação da mais valia que resulta do processo de produção capitalista. O poder capitalista é um poder de classe que resulta da acumulação de capital à custa do trabalho e hoje, como tem sido a prática, o facto é que o trabalho da maioria das pessoas  aumenta o poder e a riqueza de uma minoria.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Capitalismo e justiça distributiva



Como John Rawls preconizou em Uma Teoria da Justiça (1971), as desigualdades sociais só devem ser  aceites se redundarem em beneficio da sociedade como um todo. Este será um principio teórico de justiça que poderá ser implementado na prática através da cobrança de impostos que depois serão aplicados para pagar prestações e serviços sociais, ajudando a atenuar as desigualdades e promovendo maior equidade. 
Todavia, será o sistema capitalista, particularmente na fase de financeirização da economia, compatível com a justiça distributiva? Não é por acaso que se diz à boca cheia que não há dinheiro para pagar o estado social; e não há dinheiro porquê?
Vejamos o que acontece com aqueles que deveriam ser os maiores contribuintes, as grandes empresas multinacionais.
De há tempos a esta parte, as multinacionais especializaram-se na fuga e evasão fiscal que apelidam eufemisticamente de ‘otimização fiscal’. Começam por contratar os serviços dos melhores contabilistas, advogados e banqueiros; estes estudam esquemas para evitar que os lucros sejam tributados significativamente. Um dos processos mais bem sucedidos consiste em registrar a empresa num país onde a tributação é baixo, tipo paraíso fiscal.

Todavia este procedimento é profundamente injusto para o país onde os lucros foram gerados com a participação dos trabalhadores que ajudaram a criar a mais valia; o que acontece é que não vai haver redistribuição da riqueza pois o Estado não arrecada os respetivos impostos e assim não pode empregar o dinheiro em serviços para beneficio de todos, particularmente dos que mais precisam.

Este exemplo parece ser ilustrativo de como a justiça distributiva é incompatível com o sistema capitalista. 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

BANCA PRIVADA - PARA QUE SERVE, OU MELHOR, A QUEM SERVE?

Para que servem os bancos privados se, quando se encontram em dificuldades e na iminência de falirem, como acontece a qualquer empresa ruinosa ou mal gerida ou incapaz de resistir às forças do mercado (leia-se competição), é o Estado, ou melhor os cidadãos contribuintes, que a socorre e arca com os prejuízos? É perigoso falir, alega-se, porque pode arrastar outras falências; ora bolas para o mercado e para o neoliberalismo.
A banca privada, à falta de melhor negócio, andou para aí a emprestar dinheiro a rodos aos cidadãos e ao Estado; de facto, fazia aparentemente um negócio da china, pedia ela própria dinheiro emprestado a juros extremamente baixos para depois emprestar a juros elevados. Quem poderia resistir ao capitalismo financeiro emergente em todo o seu vigor? E o zé povinho entrou no esquema e o Estado entrou no esquema. Depois veio a fatura e, quando se poderia cogitar que os bancos e os banqueiros gananciosos também iriam pagar, descobriu-se, aparentemente sem grande assombro, que sobraria basicamente para os cidadãos e acima de tudo para os cidadãos da classe média, pois então, para aqueles que ganham o pão com o suor do seu rosto, porque de facto são esses que criam riqueza e mandam as boas regras que se vá à fonte. Assim é que é!
Desse modo endividaram-se cidadãos e Estado e, para tapar os buracos, aconselharam-se as privatizações, privatizações de quê? - da riqueza dos cidadãos, claro, casas entregues aos bancos, e do Estado, bens públicos entregues por dez reis de mel coado a privados: uma autêntica transferência de riqueza de uns para outros. Com uma agravante verdadeiramente escandalosa, inventaram-se os fundos de resolução o que significa que os cidadãos ainda tem de pagar para vender os bens que são de todos. Isto é o cumulo da irracionalidade, mas é esta que nos querem impingir como se fosse a melhor maneira de geria a coisa publica. Primeiro emprestam dinheiro – quase que o metem pela goela abaixo do cliente - e depois esmifram-no até ao tutano e entregam a riqueza existente a meia dúzia de tubarões, tanto podem ser portugueses como estrangeiros, para o caso tanto faz. No meio disto tudo, os bancos ( como, dizem, há o perigo sistémico) passam por isto como pelos pingos da chuva e pura e simplesmente mudam de mãos. Isto é, acabam sendo reprivatizados as custas também de todos nós.
Por tudo isto é que, mesmo com a crise, aumentou escandalosamente o numero de ricos e aumentou a riqueza do ricos e também o fosso que os separa da maioria.

Pode ser que eu esteja a fazer uma análise populista da situação, mas o facto é que  quem devia não fornece elementos informativos necessários para se poder fazer outra.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Liberdade versus Igualdade nos Estados Unidos

Liberdade’ versus ‘Igualdade’ nos Estados Unidos

Como sabemos, os Estados Unidos resultaram de uma agregação de colónias que se uniram para combater uma metrópole. Três aspetos fundamentais têm de ser destacados para compreendermos porque é que nos Estados Unidos se dá imensa importância à liberdade e pouca à igualdade que até chega a ser vista como conflituante com a liberdade; esses aspetos são: um índice demográfico muito baixo: o número de colonos (brancos) era ínfimo; vastas extensões de terra (que, quando se mostrou necessário, foram disputadas com sucesso aos índios) e a existência de mão de obra escrava, proveniente do continente africano.
Entre os colonos não havia desigualdades profundas, não havia pobreza; embora existissem diferenças de fortuna, todos, de uma maneira geral, possuíam terras e constituíam uma espécie de comunidade de iguais que partilhavam interesses e tinham objetivos comuns. Todos aproveitavam da mão de obra escrava e a existência dos próprios escravos (negros) - os outros - favorecia a coesão dos colonos.Para os colonos, falar em igualdade não fazia assim grande sentido; mas já fazia sentido falar em liberdade, liberdade em relação às imposições da metrópole, liberdade em relação aos governos.

Inicialmente e durante muito tempo os Estados Unidos constituíram uma espécie de federação agrária em que os colonos brancos sentiam que a sua prosperidade iria depender da sua capacidade de trabalho e percebiam como injusta qualquer tentativa do Estado para desapossá-los dos frutos do seu trabalho - como refere James Houston em Securing the Fruits of Labour - pelo que impostos e regulações estatais deveriam ser mínimas. Neste contexto, a liberdade transformou-se no valor fundamental do novo mundo e a ideia de um estado mínimo ganhou um fôlego que persistiu até aos nossos dias. Mas, é bom não esquecermos que um país que teve escravatura até meados do século XIX e segregação racial até meados do século XX  e que ainda hoje é, de entre os países desenvolvidos, aquele em que as desigualdades sociais são mais profundas, dificilmente pode apresentar-se como um modelo.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

As crises circulares do capitalismo


Os neoliberais defendem a liberdade do mercado e a não interferência do governo na economia como se de um dogma se tratasse; mas, nas situações de aperto, esse dogma é posto de parte e então não rejeitam que o Estado venha em seu socorro, com os dinheiros públicos provenientes dos impostos dos cidadãos. Foi isso que aconteceu com a crise financeira de 2008 e nessa altura, com o J.P. Morgan, o Goldman Sachs e Morgan Stanley. 700 biliões de dólares foi quanto custou a brincadeira  da alta finança aos cidadãos norte-americanos. Tudo isto porque os bancos decidiram apostar na bolsa de valores (leia-se especulação financeira) ao invés de apostarem na atividade produtiva e não sei se aprenderam a lição, tudo leva a crer que não.


Quer dizer, os partidários e defensores da liberdade absoluta dos mercados acham que o Estado não deve interferir a não ser que seja para proteger a alta finança. Só é mau usar dinheiro publico para a escola publica ou para o serviço nacional de saúde, provavelmente porque veem essas áreas como espaços privilegiados que pretendem abocanhar. Também não é mau usar dinheiros públicos para a segurança e defesa nacional pois aí podem antever oportunidades futuras de negócios que os litígios sempre proporcionam; tem pois uma visão muito selectiva de como se deve gastar o dinheiro publico.

Para qualificar este tipo de crises do capitalismo, David Harvey encontrou uma expressão interessante, chamou-lhes crises circulares porque sempre arranjam maneira de transferir a crise para outro sector, e não deixa de ser irônico que um desses setores seja a dívida publica dos Estados, através da qual mais uma vez, e como se não bastasse já, se transfere dinheiro do trabalho (dos cidadão) para o capital (dos bancos e outras corporações).