sábado, 6 de fevereiro de 2016

Esquerda - principal fragilidade

A Esquerda, após o fracasso retumbante da experiência comunista na ex-união soviética (fins da década de oitenta), teve de abandonar o marxismo que, supostamente, teria inspirado essa mesma experiência. Todavia, ao invés de reabilitar a tradição intelectual progressista do Iluminismo, deixou que a direita dela se apropriasse e a enviesasse, através de um aproveitamento seletivo e de uma descontextualização.
Desse modo, a Esquerda, órfã do marxismo, ficou sem outras referências teóricas. Ora, tanto Adam Smith, como Locke, Condorcet ou Kant poderiam ter sido reabilitados, dado que há muito de progressista no pensamento destes autores; mas não foi isso que aconteceu porque, obviamente não eram marxistas, o que denuncia quão obtusa a Esquerda se tem mostrado. Não quer correr riscos, mas esquece que a inação intelectual é porventura o maior risco que pode correr porque fica sem qualquer orientação para uma ação política eficaz.
Ao abandonar essas referências, deixou um enorme vazio e permitiu que a Direita as explorasse vergonhosamente, assim, por exemplo, Kant, o honesto Kant, o pragmático, mas rebelde Locke, foram recuperados pela direita liberal sob pretexto de terem sacralizado (o que é muito discutível) a propriedade privada. Adam Smith tornou-se o patrono de uma instituição neoliberal inglesa, e Condorcet, o progressista Condorcet, transformou-se num ilustre desconhecido.
A Esquerda podia ter retomado a intuição brilhante do Iluminismo de que o progresso técnico e cientifico possibilita pensar um mundo sem pobreza e podia ter construído qualquer coisa a partir daí. Podia ter debatido o capitalismo e a economia de mercado a sério, não subestimando o sistema e tentando encontrar e explorar as suas contradições; pois numa análise séria, tem de se admitir que as sociedades capitalistas prosperaram enormemente e criaram riqueza, quando comparadas com as sociedades pre-capitalistas, mas não resolveram o problema da pobreza e da desigualdade social e isso tem de ser realçado e explicado a partir de um trabalho de análise objetivo e desapaixonado.

Em minha opinião, a Esquerda deveria ter abandonado os chavões e os slogans e ter feito pedagogia, mas nada disso aconteceu. Essa é a sua principal e indesculpável fragilidade.

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