A
Esquerda, após o fracasso retumbante da experiência comunista na
ex-união
soviética
(fins da década de oitenta), teve de abandonar o marxismo que,
supostamente, teria inspirado essa mesma experiência. Todavia, ao
invés de reabilitar a tradição intelectual progressista do
Iluminismo, deixou que a direita dela se apropriasse e a enviesasse,
através de um aproveitamento seletivo e de uma descontextualização.
Desse
modo, a Esquerda, órfã do marxismo, ficou sem outras referências
teóricas. Ora, tanto Adam Smith, como Locke, Condorcet ou Kant
poderiam ter sido reabilitados, dado que há muito de progressista no pensamento destes
autores;
mas não foi isso que aconteceu porque, obviamente não eram
marxistas, o que denuncia quão obtusa a Esquerda se tem mostrado.
Não quer correr riscos, mas esquece que a inação intelectual é
porventura o maior risco que pode correr porque fica sem qualquer
orientação para uma ação política eficaz.
Ao
abandonar essas referências, deixou
um enorme vazio e
permitiu que a Direita as explorasse vergonhosamente, assim, por
exemplo,
Kant, o
honesto Kant, o pragmático, mas rebelde Locke, foram recuperados
pela direita liberal sob pretexto de terem sacralizado (o que é
muito discutível) a propriedade privada. Adam Smith tornou-se
o
patrono de uma instituição neoliberal inglesa, e Condorcet, o
progressista Condorcet, transformou-se
num
ilustre desconhecido.
A
Esquerda podia ter retomado a intuição brilhante do Iluminismo de
que o progresso técnico e cientifico possibilita pensar um mundo sem
pobreza e podia ter construído qualquer coisa a partir daí. Podia
ter debatido o capitalismo e a economia de mercado a sério, não
subestimando o sistema e tentando encontrar e explorar as suas
contradições; pois numa análise séria, tem de se admitir que as
sociedades capitalistas prosperaram enormemente e criaram riqueza,
quando comparadas com as sociedades pre-capitalistas, mas não
resolveram o problema da pobreza e da desigualdade social e
isso tem de ser realçado e explicado a partir de um trabalho de
análise objetivo e desapaixonado.
Em
minha opinião, a Esquerda deveria ter abandonado os chavões e os
slogans e ter feito pedagogia, mas nada disso aconteceu. Essa é a
sua principal e indesculpável fragilidade.
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