domingo, 23 de outubro de 2011

O que eu tenho contra o neoliberalismo

O neoliberalismo implica um modelo de desenvolvimento que apresenta duas consequências altamente gravosas para a vida saudável das sociedades; por um lado cria condições para aumentar o fosso entre ricos e pobres e para proletarizar as classes médias, por outro, provoca instabilidade financeira adversa a um desenvolvimento económico sustentável.
No momento presente, os Estados, em crise, tendem a sobrecarregar de impostos o sector da população cujos rendimentos dependem do trabalho, retirando-lhes apoios sociais e lançando para o desemprego boa parte da população. Por outro lado, apoiam o sector financeiro considerando que este é imprescindível para a economia, aumentando assim o seu poder e a sua influência nas decisões políticas.
Com isto reforça-se a tendência já existente de valorizar o capital e de desvalorizar o trabalho. O que era preciso fazer e que todos os decisores políticos teoricamente defendem: regular a actividade financeira, que como bem sabemos teve ligações de peso à crise que atravessamos, fica mais uma vez no tinteiro. Os fluxos financeiros sem qualquer controlo estatal continuam desgovernados e o medo dos Estados perante a hipótese provável de fugas de capital manieta qualquer medida séria para resolver os problemas.
Até quando vamos continuar a ignorar que este modelo económico não é ele próprio sustentável e nos pode lançar mais uma vez numa guerra fratricida que tem sido sempre o escape do sistema capitalista para se aguentar?

domingo, 4 de setembro de 2011

Motins no Reino Unido e ataques terroristas

A propósito dos recentes motins ocorridos em Londres e outras cidades do Reino Unido, traduzo algumas considerações que me parecem lançar luz sobre o fenómeno:
"Os amotinados, embora destituídos de privilégios e, de facto, socialmente excluídos, não estavam a viver na linha da miséria. Pessoas em muito pior situação material, independentemente das condições de opressão física e ideológica, têm sido capazes de se organizarem em forças políticas com agendas definidas. O facto de os amotinados não terem programa é em si mesmo algo que precisa de ser interpretado: diz-nos muito acerca do nosso predicamento ideológico-político e do tipo de sociedade em que vivemos, uma sociedade que celebra a escolha mas na qual a única alternativa disponível ao consenso democrático forçado é agir de modo cego. A oposição ao sistema já não se consegue articular em termos de uma alternativa realista, ou mesmo sob a forma de um projecto utópico, mas pode apenas assumir a forma de uma explosão sem sentido. Para que serve a nossa tão apregoada liberdade de escolha quando a única escolha é entre jogar de acordo com as regras e a violência (auto) destrutiva? (…)
Os motins devem ser situados com relação a um outro tipo de violência que a maioria liberal de hoje percebe como uma ameaça ao seu modo de vida: ataques terroristas e suicídios-bomba. Em ambos os casos, violência e contra-violência integram-se num círculo vicioso, em que cada uma gera a força que procura combater. Em ambos os casos estamos perante passagens cegas à acção, nas quais a violência é uma admissão implícita de impotência. A diferença é que, em contraste com os motins do Reino Unido ou de Paris, os ataques terroristas são cometidos ao serviço de um Significado absoluto fornecido pela religião.” (Slavoj Žižek)

domingo, 7 de agosto de 2011

A resposta da Noruega ao fundamentalismo

"Do blog http://uraiweb.blogspot.com/  transcrevo o  texto de Leonardo Boff :

O ato terrorista perpetrado na Noruega de forma calculada por um solitário extremista norueguês de 32 anos, trouxe novamente à baila a questão do fundamentalismo. Os governos ocidentais e a mídia induziram a opinião pública mundial a associar o fundamentalismo e o terrorismo quase que exclusivamente a setores radicais do Islamismo. Barack Obama dos USA e David Cameron do Reino Unido se apressaram em solidarizar-se com governo da Noruega e reforçaram a idéia de dar batalha mortal ao terrorismo, no pressuposto de que seria um ato da Al Qaeda. Preconceito. Desta vez era um nativo, branco, de olhos azuis, com nivel superior e cristão, embora o The New York Times o apresente “sem qualidades e fácil de se esquecer”.

Além de rejeitar decididamente o terrorismo e o fundamentalismo devemos procurar entender o porquê deste fenômeno. Já abordei algumas vezes nesta coluna tal tema que resultou num livro “Fundamentalismo, Terrorismo, Religião e Paz: desafio do século XXI”(Vozes 2009). Ai refiro, entre outras causas, o tipo de globalização que predominou desde o seu início, uma globalização fundamentalmente da economia, dos mercados e das finanças. Edgar Morin a chama de “a idade de ferro da globalização”. Não se seguiu, como a realidade pedia, uma globalização política (uma governança global dos povos), uma globalização ética e educacional.

Explico-me: com a globalização inauguramos uma fase nova da história do Planeta vivo e da própria humanidade. Estamos deixando para trás os limites restritos das culturas regionais com suas identidades e a figura do estado-nação para entrarmos cada vez mais no processo de uma história coletiva, da espécie humana, com um destino comum, ligado ao destino da vida e, de certa forma, da própria Terra. Os povos se puseram em movimento, as comunicações universalisaram os contactos e multidões, por distintas razões, começam a circular pelo mundo afora.

A transição do local para o global não foi preparada, pois o que vigorava era o confronto entre duas formas de organizar a sociedade: o socialismo estatal da União Soviética e o capitalismo liberal do Ocidente. Todos deviam alinhar-se a uma destas alternativas. Com o desmonte da União Soviética, não surgiu um mundo multipolar mas o predomínio dos EUA como a maior potência econômico-militar que começou a exercer um poder imperial, fazendo que todos se alinhassem a seus interesses globais. Mais que globalização em sentido amplo, ocorreu uma espécie de ocidentalização mundo e, em sua forma pejorativa, uma hamburguerização. Funcionou como um rolo compressor, passando por cima de respeitáveis tradições culturais. Isso foi agravado pela típica arrogância do Ocidente de se sentir portador da melhor cultura, da melhor ciência, da melhor religião, da melhor forma de produzir e de governar.

Essa uniformização global gerou forte resis
tência, amargura e raiva em muitos povos. Assistiam a erosão de sua identidade e de seus costumes. Em situações assim surgem, normalmente, forças identitárias que se aliam a setores conservadores das religiões, guardiães naturais das tradições. Dai se origina o fundamentalismo que se caracteriza por conferir valor absoluto ao seu ponto de vista. Quem afirma de forma absoluta sua identidade, está condenado a ser intolerante para com os diferentes, a desprezá-los e, no limite, a eliminá-los.

Este fenômeno é recorrente em todo o mundo. No Ocidente grupos significativos de viés conservador se sentem ameaçados em sua identidade pela penetração de culturas não-européias, especialmente do Islamismo. Rejeitam o multiculturalismo e cultivam a xenofobia. O terrorista norueguês estava convencido de que a luta democrática contra a ameaça de estrangeiros na Europa estava perdida. Partiu então para uma solução desesperada: colocar um gesto simbólico de eliminação de “traidores” multiculturalistas.
A resposta do Governo e do povo norueguês foi sábia: responderam com flores e com a afirmação de mais democracia, vale dizer, mais convivência com as diferenças, mais tolerância, mais hospitalidade e mais solidariedade. Esse é o caminho que garante uma globalização humana, na qual será mais difícil a repetição de semelhantes tragédias."

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Capitalismo - crise terminal ou conjuntural?

Com a devida vénia, transcrevo de Adital o seguinte texto de Leonard Boff:
"Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.
A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhe foi sequestrado. Já nos meados do século XIX Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.
A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 15 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.
O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.
Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal 12% no país e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas, mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.
A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.
Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.
As ruas de vários países europeus e árabes, os "indignados” que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhóis gritam: "não é crise, é ladroagem”. Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumossacerdotes do capital globalizado e explorador.
Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da superexploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas."
[Leonardo Boff é autor de Proteger a Terra-cuidar da vida: como evitar o fim do mund, Record 2010].

sábado, 18 de junho de 2011

Porque resgatar e não reestruturar a dívida?

Como sabemos, o resgate das economias da Grécia, Irlanda e recentemente de Portugal suscitou uma onda de protestos em vários países da União Europeia, capitalizados pelos partidos de extrema-direita, antes com expressão mínima, o que não augura nada de bom. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Finlândia com os «Autênticos finlandeses»; em França com a extrema-direita da Frente Nacional, liderada por Marine Le Pen, e na Holanda onde a direita também se posicionou contra os resgastes. Para além de explorarem sentimentos xenófobas em relação a imigrantes, o mote agora é a ajuda aos povos preguiçosos e irresponsáveis da União Europeia.
Por outro lado, existe o sentimento cada vez mais disseminado de que os resgates só permitem ganhar tempo e não vão resolver a situação; os encargos com as dívidas, dada a exorbitância dos juros, são tais que não se vê muito bem como é que a economia desses países pode crescer, apenas se lhes está a fornecer meros balões de oxigénio e nada se faz para curar a doença.
A alternativa teria sido reestruturar a dívida o que significaria obrigar os credores a arcarem com prejuízos, justificados pelo facto de terem disponibilizado crédito em condições em que qualquer credor de boa fé não o teria feito. Por exemplo, se uma pessoa empresta dinheiro a outra para ela comprar luxos e supérfluos sabendo que esta não tem condições reais de pagar, rapidamente percebemos que o credor se está a aproveitar da situação para mais tarde levar o couro e o cabelo ao devedor; se isto é assim com os privados, também o é ao nível de instituições financeiras e dos países. As instituições financeiras quiseram fazer dinheiro fácil e incentivaram as pessoas e os Estados a contraírem empréstimos, ao fazê-lo correram riscos irresponsáveis portanto agora também deviam ser penalizadas; mas ninguém se atreve a fazê-lo.
A Europa optou por não seguir o caminho de reestruturação das dívidas e optou pelos resgates, mas esta opção teve custos políticos de que ainda não podemos prever as consequências; para já permitiu o fortalecimento da direita e da extrema-direita populista em países civilizados e com tradição democrática; aí a direita pode fazer um discurso muito convincente e exigir com base nesse discurso mecanismos de controlo antes impensáveis, destruindo em paralelo o estado de bem-estar social e obrigando os trabalhadores a aceitarem condições igualmente impensáveis até há bem pouco tempo.
O que é um facto é que a direita, que nos anos oitenta nos Estados Unidos e no Reino Unido acedeu ao poder com Reagan e com a Tatcher, deixou o serviço incompleto e agora tem uma boa oportunidade para alcançar o que já então era o seu desiderato: privatizar, privatizar, privatizar; eliminar ou pelo menos diminuir a proteção social do Estado e deixar as pessoas à mercê dos donos do poder, nomeadamente do poder financeiro.