quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Meritocracia e seus embustes

 No excerto de uma entrevista concedida pelo economista Antônio Albano de Freitas à IHU On-Line em Outubro de 2015, ficamos alertados para o que representa a meritocracia, que se revela, afinal, como um sistema bem oleado para enganar tolos e manter o statu quo.

“Na modernidade, compramos a ideia de que “se nos esforçarmos” conquistaremos um espaço. Logo, com trabalho, estudo e capacitação poderemos nos tornar trabalhadores mais qualificados e com mais capacidade de geração de renda. Entretanto, como alerta o economista António Albano de Freitas em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, esse modelo tem limites. A concentração de renda é o primeiro.
“Um dos perigos de tamanha concentração de rendimentos é a reprodução do statu quo ao longo do tempo. Isto é, o perigo de agravamento da desigualdade de oportunidades e da imobilidade intergeracional, tendo em vista que heranças de património, por exemplo, têm um papel proeminente na transmissão de vantagens entre gerações para as classes mais afortunadas”, explica.
Ou seja, o filho do “nobre” sempre terá mais oportunidade que o do “plebeu”, embora esse “plebeu” se “esforce” e “mereça” mais. “Daí decorre a perversidade da ideologia meritocrática na sociedade contemporânea, pois as condições iniciais de vida são completamente distintas entre os indivíduos. E, no entanto, depositam-se apenas sobre as elites as virtudes morais pessoais, tais como paciência, trabalho, esforço, etc.”, destaca Freitas.
António Albano de Freitas - Desde os anos 1970, tem ocorrido um aumento da participação dos patrimónios herdados na riqueza total, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Após um período, ao longo dos anos 1914-1945, em que os patrimónios foram abalados por choques como destruições, inflação, falências e expropriações, a importância da herança tem crescido regularmente. Ainda que a situação não esteja no nível alcançado nas sociedades aristocratas dos séculos XVIII e XIX, em que os 10% mais ricos possuíam 9/10 da riqueza, atualmente estes últimos possuem 2/3 do bolo.
Um dos perigos de tamanha concentração de rendimentos é a reprodução do status quo ao longo do tempo. Isto é, o perigo de agravamento da desigualdade de oportunidades e da imobilidade intergeracional, tendo em vista que heranças de património, por exemplo, têm um papel proeminente na transmissão de vantagens entre gerações para as classes mais afortunadas.
Daí decorre a perversidade da ideologia meritocrática na sociedade contemporânea, pois as condições iniciais de vida são completamente distintas entre os indivíduos. E, no entanto, depositam-se apenas sobre as elites as virtudes morais pessoais, tais como paciência, trabalho, esforço, etc.
IHU On-Line - Quais as contribuições da obra O capital no século XXI, de Thomas Piketty para entender a desigualdade no mundo? Que perspectivas abre acerca da realidade brasileira?

António Albano de Freitas - A obra O capital no século XXI, de Piketty, nos ajuda a entender a desigualdade no mundo, pois vai além da dispersão salarial em sua análise. Vai além das diferenças na hierarquia dos salários e do mercado de trabalho, ainda que estas sejam importantes e estejam se acentuando por conta da elevação na razão dos rendimentos dos super executivos sobre o do trabalhador médio.
Piketty aponta, em síntese, que quando a taxa de rendimento do capital é muito mais alta do que a taxa de crescimento da economia, é quase inevitável que a herança (o património herdado no passado) predomine em relação à poupança (o património originado no presente). De modo que o empreendedor tenda a se transformar em rentista e as riquezas vindas do passado progridam automaticamente de forma mais rápida — sem ser necessário trabalhar — do que as riquezas produzidas pelo trabalho, a partir das quais é possível poupar.


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