segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A democracia direta será a solução?


Raquel Varela, em entrevista recente à Carta Capital (8/1/016) faz uma análise da situação de crise que temos vindo a atravessar. Começa por considerar que a crise levou, por um lado, a uma transferência de riqueza da classe média (que paga impostos) para os privados e, por outro, a um enfraquecimento do poder negocial do trabalho. A consequência mais grave foi, em sua opinião, a progressiva transformação do estado de bem estar social, construído a partir do pós-guerra, num estado assistencial. 
Raquel Varela só vê como solução para o problema, a transformação da democracia representativa em democracia direta.

Esta análise e a proposta sugerida são sem dúvida interessantes, mas ficam muitas questões em aberto; em primeiro lugar, quanto à análise, acho que não captou a origem e a explicação da crise; em segundo lugar, questiono-me sobre a viabilidade de uma democracia direta.

Vejamos um excerto da entrevista :

“Vivemos um modelo no qual os trabalhadores pagam ao Estado, que por sua vez entrega o dinheiro ao setor privado por meio, entre outros, das Parcerias Público-Privadas. Por conta da intervenção da Troika, Portugal teve a sua maior no setor bancário, além de gerar uma desregulamentação do trabalho pela flexibilização da mão de obra. Tudo isso é articulado pelo Estado, sem ter como objetivo a manutenção do pacto social do pós-Guerra. O modelo que fundamenta a social-democracia se esvaiu. 
A tendência em Portugal e na Europa é de alta concentração da riqueza. Em 1945, a diferença entre um rico e um pobre, ou um trabalhador manual qualificado na Europa, era de 1 para 12. Em 1980, subiu de 1 para 82. E hoje é de 1 para 530. A União Europeia é uma corporação de acumulação de capitais. E a acumulação é incompatível com a manutenção de serviços públicos de qualidade, por causa da queda tendencial da taxa de lucro. Esse foco tem como consequência a destruição do Estado de Bem-Estar Social. O que vemos em Portugal em particular e em outros países é na verdade a ascensão de uma assistência social, com a educação e a saúde públicas focadas cada vez mais nos pobres e desempregados e não em toda a sociedade. (…)
As classes dominantes estão muito mais bem organizadas do que os trabalhadores e temos de dar respostas a esses, mais fragmentados do que nunca, por meio da política. (…)
O problema aqui não é falta de consciência da situação, mas falta de organização. Quem vive do trabalho está profundamente atomizado, disperso. A retomada dessa consciência se dará por meio da democracia direta, e não representativa. Não é só decidir quem vai decidir. É decidir de fato. Os cidadãos têm de encontrar mecanismos de decisão nos seus locais de trabalho, hospitais e escolas que frequentam. O modelo de eleições a cada quatro anos, ou delegados sindicais a cada dois anos, não é mais suficiente. O desafio do século XXI é fazer da democracia representativa uma democracia direta, na qual os indivíduos têm o poder real e não de forma meramente ilustrativa.”


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