No excerto
de uma entrevista concedida pelo economista Antônio Albano de
Freitas à IHU On-Line em Outubro de 2015, ficamos alertados para o que representa a meritocracia, que se revela, afinal, como um sistema bem oleado para enganar tolos e manter o statu quo.
“Na
modernidade, compramos a ideia de que “se nos esforçarmos”
conquistaremos um espaço. Logo, com trabalho, estudo e capacitação
poderemos nos tornar trabalhadores mais qualificados e com mais
capacidade de geração de renda. Entretanto, como alerta o
economista António
Albano de Freitas em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line,
esse modelo tem limites. A concentração de renda é o primeiro.
“Um
dos perigos de tamanha concentração de rendimentos é a reprodução
do statu quo ao longo do tempo. Isto é, o perigo de agravamento da
desigualdade de oportunidades e da imobilidade intergeracional, tendo
em vista que heranças de património, por exemplo, têm um papel
proeminente na transmissão de vantagens entre gerações para as
classes mais afortunadas”, explica.
Ou
seja, o filho do “nobre” sempre terá mais oportunidade que o do
“plebeu”, embora esse “plebeu” se “esforce” e “mereça”
mais. “Daí decorre a perversidade da ideologia meritocrática na
sociedade contemporânea, pois as condições iniciais de vida são
completamente distintas entre os indivíduos. E, no entanto,
depositam-se apenas sobre as elites as virtudes morais pessoais, tais
como paciência, trabalho, esforço, etc.”, destaca Freitas.
António
Albano de Freitas -
Desde os anos 1970, tem ocorrido um aumento da participação dos
patrimónios herdados na riqueza total, tanto na Europa como nos
Estados Unidos. Após um período, ao longo dos anos 1914-1945, em
que os patrimónios foram abalados por choques como destruições,
inflação, falências e expropriações, a importância da herança
tem crescido regularmente. Ainda que a situação não esteja no
nível alcançado nas sociedades aristocratas dos séculos XVIII e
XIX, em que os 10% mais ricos possuíam 9/10 da riqueza, atualmente
estes últimos possuem 2/3 do bolo.
Um
dos perigos de tamanha concentração de rendimentos é a reprodução
do status quo ao longo do tempo. Isto é, o perigo de agravamento da
desigualdade de oportunidades e da imobilidade intergeracional, tendo
em vista que heranças de património, por exemplo, têm um papel
proeminente na transmissão de vantagens entre gerações para as
classes mais afortunadas.
Daí
decorre a perversidade da ideologia meritocrática na sociedade
contemporânea, pois as condições iniciais de vida são
completamente distintas entre os indivíduos. E, no entanto,
depositam-se apenas sobre as elites as virtudes morais pessoais, tais
como paciência, trabalho, esforço, etc.
IHU
On-Line - Quais as contribuições da obra O capital no século XXI,
de Thomas Piketty para entender a desigualdade no mundo? Que
perspectivas abre acerca da realidade brasileira?
António
Albano de Freitas - A
obra O
capital no século XXI,
de Piketty,
nos ajuda a entender a desigualdade no mundo, pois vai além da
dispersão salarial em sua análise. Vai além das diferenças na
hierarquia dos salários e do mercado de trabalho, ainda que estas
sejam importantes e estejam se acentuando por conta da elevação na
razão dos rendimentos dos super executivos sobre o do trabalhador
médio.
Piketty
aponta,
em síntese, que quando a taxa de rendimento do capital é muito mais
alta do que a taxa de crescimento da economia, é quase inevitável
que a herança (o património herdado no passado) predomine em
relação à poupança (o património originado no presente). De modo
que o empreendedor tenda a se transformar em rentista e as riquezas
vindas do passado progridam automaticamente de forma mais rápida —
sem ser necessário trabalhar — do que as riquezas produzidas pelo
trabalho, a partir das quais é possível poupar.
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