quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Renda básica para todos os habitantes


A Finlândia (sempre ela!) deve começar, em 2017, a testar um sistema em que todos os habitantes do país vão receber uma "renda básica", mesmo que não trabalhem.

A reportagem é de Gabriela Bazzo, publicada por Brasil Post, 21-10-2015.

Proposta pelo governo recém-eleito, liderado pelo partido centrista, a política conta com o apoio de 70% da população, de acordo com uma pesquisa conduzida em setembro. Ainda de acordo com a publicação, a maioria dos entrevistados acredita que um bom nível de renda básica seria de 1.000 euros por mês.

Já especialistas ouvidos pela RFI Brasil afirmam que a renda mínima ideal obedece uma equação complicada: ela deve ser suficiente para tirar pessoas da pobreza, mas também não pode ser tão alta a ponto que não haja mais necessidade de trabalhar.

O tema interessa particularmente aos desempregados: atualmente, cerca de 10% da força de trabalho finlandesa está inativa, algo em torno de 280 mil pessoas.

Em entrevista à BBC no mês de agosto, o premiê finlandês, Juha Sipila, afirmou que um programa de renda básica iria "simplificar" o sistema de segurança social no país, que envolve vários benefícios. De acordo com a RFI Brasil, entre os objetivos do projeto está reduzir os gastos com programas sociais.

Além disso, a renda básica poderia encorajar os finlandeses que estão sem empregos a procurarem vagas temporárias, que envolvem benefícios bem menores. De acordo com partidários do movimento, uma renda básica também tornaria possível que as pessoas trabalhassem em cargos que lhes interessam mais, independente da remuneração.

De acordo com Stanilas Jourdan, co-fundador do Movimento Francês para a Renda Básica há um grupo de trabalho composto pelo Instituto de Pesquisas Econômicas, por pesquisadores da Universidade de Tampere e por outros pesquisadores independentes que vai estabelecer os parâmetros do projeto piloto.

Caso saia, de fato, do papel, o experimento será o primeiro a ser colocado em prática em uma nação desenvolvida desde os anos 1970, de acordo com o Basic Income Earth Network.

De acordo com informações da BBC, o projeto piloto deve ser testado com 8.000, que vão receber valores que variam entre 400 e 700 euros (R$ 1.787 e R$ 3.128). A ideia pode, no entanto, esbarrar na Constituição Finlandesa, que prevê tratamento igualitário a todos os habitantes

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Serviços sociais – boa qualidade e universalidade são requisitos fundamentais


Há quem defenda - ingénuamente ou não, fica por esclarecer - que os impostos cobrados pelo Estado para políticas de proteção social não devem reverter em benefício de todos, mas apenas daqueles que têm específicas carências; afinal, aqueles que podem pagar não precisariam desse apoio. Todavia, desse modo de raciocinar decorrem vários riscos porque, se assim fosse:
  1. Os que se encontram melhor discutirão a legitimidade de pagar para os que estão pior, o dinheiro custou-lhes a ganhar, foi legitimamente adquirido, não roubaram ninguém e consideram que tirar-lhes nem que seja uma pequena porção através de imposto é um ataque à sua liberdade, um autêntico roubo perpretado pelo Estado. É essa a linha de argumentação das posições libertaristas de Robert Nozick e outros.
  2. Poderia haver a tentação para estabelecer serviços minimos e de qualidade discutível, tipo assistência para pobres que apenas mascaravam as carencias e não resolviam o problema da falta de igualdade de oportunidades.

Estas são boas razões para que o dinheiro cobrado através dos impostos deva reverter em benefício de todos, em serviços como educação pública, saúde pública, sistema de pensões etc. depois quem quiser recorrer a privados pode fazê-lo, mas por sua conta e risco e sem ter de se queixar porque têm serviços de boa qualidade à sua disposição e só não os utiliza porque não quer. Deve pois apostar-se na qualidade dos serviços. Claro que os privados podem não gostar, mas tanto pior para os privados.

Neste quadro, percebe-se que os governos inspirados no neoliberalismo, embora tenham dificuldade em negar o estado de bem estar social (perderiam apoio popular) contribuam para lhes retirar qualidade, investindo neles menos recursos e apoiando mais ou menos discretamente os equivalentes serviços privados (lembremos o cheque educação para as familias poderem escolher escolas privadas para as crianças ou as parcerias com serviços de saúde privados a quem pagam serviços que poderiam, se devidamente apoiados, ser prestados no Público.)


sábado, 24 de outubro de 2015

MERCADOS FINANCEIROS E DEMOCRACIA


Numa entrevista recente concedida à revista IHU On-line, o economista Andrea Fumagalli explica como os mercados financeiros estão longe de ser democráticos e como podem mesmo ditar a morte da democracia.

Quanto à sua composição, os mercados financeiros, embora contenham um número imenso e incontável de investidores, funcionam como uma pirâmide que tem no vértice 'os tubarões' - um pequeno número que controla 65/ do fluxo total de capitais.
Quanto ao modus operandi, é essa minoria que determina a dinâmica e a orientação do mercado e toma decisões que afetam a vida das pessoas.

Sobre o modo como essas decisões afetam as nossas vidas, todos conhecemos direta ou indiretamente experiências negativas relacionadas com juros e com dívida pública e privada; no fundo essa foi a maneira que a oligarquia que controla os mercados encontrou para transferir riqueza dos pobres para o ricos. Por exemplo, em relação à dívida pública, o que acontece é que os que têm mais recursos em vez de pagarem impostos para subsidiarem serviços sociais, de segurança, transportes ou vias de comunicação, de que também beneficiam direta ou indiretamente, emprestam dinheiro ao próprio Estado, e depois obrigam-no a tirar 'à força' aos que poucos recursos têm, para além da sua capacidade de trabalho, para pagar o empréstimo e para, como maviosamente dizem, custear o 'serviço da dívida'. É assim que ocorre aquilo a que os economistas (alguns) chamam de transferência de rendimento do trabalho para o capital. E é também assim que se está a matar a democracia e a lançar o descrédito sobre os políticos do regime.

Aqui vai o texto, abreviado e adaptado de AndreFumagalli:

O pensamento neoliberal fundamenta-se no conceito de neutralidade da moeda e na suposição da perfeita competição nos mercados financeiros. Na verdade, os mercados financeiros não são imparciais e neutros, mas expressão de uma hierarquia bem precisa: longe de serem concorrenciais, escondem uma pirâmide que vê, na parte superior, poucos operadores financeiros controlando mais de 65% de fluxos globais e, na base, uma miríade de pequenos investidores e operadores desempenhando uma função passiva. Tal estrutura permite que poucas empresas tenham capacidade de atingir e afetar a dinâmica do mercado. As agências de rating (amiúde em conluio com as financeiras) ratificam, de modo instrumental, decisões oligárquicas, tomadas de tempos em tempos.
Com tal farsa, o pensamento neoliberal tenta fazer passar como objetiva, neutra e naturalmente dada, uma estrutura de poder que, ao contrário, objetiva favorecer uma distribuição que vai dos mais pobres para os mais ricos. (...)
No mesmo momento em que as hierarquias do mercado ditarem as escolhas da política económica, e o próprio mercado estabelecer as regras das relações humano-sociais, a democracia, entendida como processo de decisão resultante de um princípio dialético, está morta.
(…) A desconfiança da "política" surge no exato momento em que ela se torna uma caixa vazia, que ratifica decisões tomadas em outros lugares. É consequência, não causa, da prevalência do poder económico sobre o poder político e sobre o direito.”


quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Meritocracia e seus embustes

 No excerto de uma entrevista concedida pelo economista Antônio Albano de Freitas à IHU On-Line em Outubro de 2015, ficamos alertados para o que representa a meritocracia, que se revela, afinal, como um sistema bem oleado para enganar tolos e manter o statu quo.

“Na modernidade, compramos a ideia de que “se nos esforçarmos” conquistaremos um espaço. Logo, com trabalho, estudo e capacitação poderemos nos tornar trabalhadores mais qualificados e com mais capacidade de geração de renda. Entretanto, como alerta o economista António Albano de Freitas em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, esse modelo tem limites. A concentração de renda é o primeiro.
“Um dos perigos de tamanha concentração de rendimentos é a reprodução do statu quo ao longo do tempo. Isto é, o perigo de agravamento da desigualdade de oportunidades e da imobilidade intergeracional, tendo em vista que heranças de património, por exemplo, têm um papel proeminente na transmissão de vantagens entre gerações para as classes mais afortunadas”, explica.
Ou seja, o filho do “nobre” sempre terá mais oportunidade que o do “plebeu”, embora esse “plebeu” se “esforce” e “mereça” mais. “Daí decorre a perversidade da ideologia meritocrática na sociedade contemporânea, pois as condições iniciais de vida são completamente distintas entre os indivíduos. E, no entanto, depositam-se apenas sobre as elites as virtudes morais pessoais, tais como paciência, trabalho, esforço, etc.”, destaca Freitas.
António Albano de Freitas - Desde os anos 1970, tem ocorrido um aumento da participação dos patrimónios herdados na riqueza total, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Após um período, ao longo dos anos 1914-1945, em que os patrimónios foram abalados por choques como destruições, inflação, falências e expropriações, a importância da herança tem crescido regularmente. Ainda que a situação não esteja no nível alcançado nas sociedades aristocratas dos séculos XVIII e XIX, em que os 10% mais ricos possuíam 9/10 da riqueza, atualmente estes últimos possuem 2/3 do bolo.
Um dos perigos de tamanha concentração de rendimentos é a reprodução do status quo ao longo do tempo. Isto é, o perigo de agravamento da desigualdade de oportunidades e da imobilidade intergeracional, tendo em vista que heranças de património, por exemplo, têm um papel proeminente na transmissão de vantagens entre gerações para as classes mais afortunadas.
Daí decorre a perversidade da ideologia meritocrática na sociedade contemporânea, pois as condições iniciais de vida são completamente distintas entre os indivíduos. E, no entanto, depositam-se apenas sobre as elites as virtudes morais pessoais, tais como paciência, trabalho, esforço, etc.
IHU On-Line - Quais as contribuições da obra O capital no século XXI, de Thomas Piketty para entender a desigualdade no mundo? Que perspectivas abre acerca da realidade brasileira?

António Albano de Freitas - A obra O capital no século XXI, de Piketty, nos ajuda a entender a desigualdade no mundo, pois vai além da dispersão salarial em sua análise. Vai além das diferenças na hierarquia dos salários e do mercado de trabalho, ainda que estas sejam importantes e estejam se acentuando por conta da elevação na razão dos rendimentos dos super executivos sobre o do trabalhador médio.
Piketty aponta, em síntese, que quando a taxa de rendimento do capital é muito mais alta do que a taxa de crescimento da economia, é quase inevitável que a herança (o património herdado no passado) predomine em relação à poupança (o património originado no presente). De modo que o empreendedor tenda a se transformar em rentista e as riquezas vindas do passado progridam automaticamente de forma mais rápida — sem ser necessário trabalhar — do que as riquezas produzidas pelo trabalho, a partir das quais é possível poupar.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Dívida pública - algumas reflexões

A dívida pública é uma dívida assumida pelo Estado a terceiros que resulta normalmente de um desequilíbrio entre o valor das despesas realizadas e o valor das receitas arrecadadas.

As despesas do Estado são relativas aos custos do próprio funcionamento do aparelho estatal e aos serviços que presta aos cidadãos que vão desde a construção e manutenção de estradas, segurança, assistência médica, educação, etc. Algumas das despesas do Estado são, pelo menos aparentemente, exageradas ou supérfluas (as famosas gorduras de que tanto se falou ultimamente) e vão desde a atribuição de elevados honorários e mordomias a detentores de cargos políticos, até aos desperdícios nos gastos e má gestão dos mesmos. Por vezes surgem despesas extra como quando acontece quando é preciso despender quantias, geralmente astronómicas, com o aparelho militar (curiosamente, o racional para essas despesas raramente é posto em causa ou evidenciado pelos meios de comunicação social). Por exemplo, neste domínio, os Estados do Ocidente, na época moderna, nomeadamente a França e a Inglaterra, acumularam dívidas públicas enormes, contraídas sobretudo para custearem guerras.

O fenómeno da dívida pública não é dos nossos dias, desde que há conhecimento de contas de despesas públicas, há conhecimento de dívida pública. Quando há dívida pública podem tomar-se várias medidas, uma delas é tentar corrigir o problema do desequilíbrio, reduzindo as despesas; outra seria resolvê-lo aumentando as receitas; uma terceira é pedir dinheiro emprestado. A mais tentadora é sem dúvida a terceira, embora esteja longe de ser a mais acertada. Reduzir as despesas significaria sobretudo acabar com rendimentos excessivos e mordomias e gerir bem a 'coisa pública', mas aqui há logo o entrave dos que se sentiriam prejudicados e da incompetência dos gestores. Aumentar as receitas significaria aumentar impostos o que foi sempre igualmente impopular tanto entre aqueles que têm alguma coisa como sobretudo entre os ricos, os que mais poderiam contribuir. Resta contrair dívida e aqui os ricos estão normalmente bastante disponíveis para emprestar dinheiro ao Estado: percebem desde logo que lhes é muito mais vantajoso emprestar do que 'dar' coercivamente.

Emprestar dinheiro ao Estado, antes como ontem, continua a ser um bom negócio para os prestamistas: recebem juros, em princípio elevados para ser atrativo emprestar, e ao fim de alguns anos têm o dinheiro de volta só em juros, além disso, o Estado em princípio paga, é certo que pode desvalorizar a moeda e com ela o valor do dinheiro, pode levar anos pagar, mas assume sempre a dívida e podem exigir-lhe que venda património para a pagar (ver o caso das privatizações em Portugal que afinal só têm favorecido os privados que compram barato e no fim nem estamos bem a ver para onde vai o dinheiro, mas parece que nem tem ido para amortizar a dívida já que esta não para de crescer. Como sabemos, em 2011 Portugal recebeu um empréstimo de 77 mil milhões de euros, ora por ano paga com o eufemístico serviço da dívida (juros) mais de 7 mil milhões, portanto fazendo as contas ao fim de mais ou menos dez anos os credores já recuperaram o dinheiro que emprestaram e continuarão a receber juros enquanto a dívida não for totalmente paga. Entretanto, o país vende ao desbarato o património público (vende à pressa), não resolve o problema estrutural, que tem a ver com o seu desenvolvimento económico e, obviamente, por último mas não menos importante, fica nas mãos dos credores que se sentem com força para ditarem o que devemos fazer e como devemos fazer. O caso recente da Grécia pôs a nu esta importante vantagem da finança – que vive de fazer render o dinheiro, transformado em autêntica mercadoria, - sobre a política, pois desse modo captura o poder político.

Resumindo, da dívida pública decorrem algumas vantagens não negligenciáveis:

  • Os ricos, em vez de simplesmente pagarem os impostos que os seus rendimentos e património justificariam, emprestam dinheiro ao Estado em condições que lhes são muito vantajosas.
  • O Estado fica refém dos credores e a Finança dita a Política.
  • Os ricos ficam mais ricos pois que direta ou indiretamente lucram com a venda do património do Estado (privatizações)

Por tudo isto é que, a nível mundial, 1% da população mundial detém 50% de toda a riqueza mundial.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Abstenção - à procura do racional


Verificou-se mais uma vez, com as eleições de ontem, realizadas em Portugal, que a abstenção tendeu a ser  a principal protagonista. Encontrar o racional para este fenómeno deveria levar-nos a reflectir sobre  a promiscuidade entre a política e o 'mercado' (interesses económicos).
 Esta promiscuidade funciona a favor do mercado porque é este (interesses económicos) que dita as decisões que os políticos vão tomar. Basicamente não há aqui novidade nenhuma; sempre têm sido assim, em diferentes tempos e espaços, desde os períodos mais remotos;  mas hoje, na media em que os regimes políticos se reclamam da democracia e pretendem ser legitimados pelos cidadãos, não deveria ser assim e é por isso que, do ponto de vista formal,  se alega independência.
O problema com a promiscuidade entre mercados e política é que a política fica refém dos mercados e então não há de facto democracia porque nem o povo, através do voto, nem os políticos, por ele escolhidos, têm poder de decisão, como se viu recentemente no caso da Grécia. Mas o mercado não dita só como os políticos devem decidir, dita também como a vida das pessoas, a nossa via, vai ser; por exemplo, como hoje se gosta de dizer, as pessoas têm de se habituar à instabilidade e à insegurança no emprego e ao trabalho precário. São os novos tempos e não há alternativa.

É neste fenómeno – contaminação da politica pelos mercados - que radica o descrédito das pessoas nos políticos: julgam que são eles os culpados, mas o que acontece é que eles ou são coniventes com os interesses económicos em jogo (e aí de facto são culpados), ou estão reféns do sistema económico (e aí a sua culpa é atenuada pela impossibilidade de mudarem as estruturas. O sistema económico continua a ser,como bem sabemos, capitalista e só por mera conveniência  aceita, ou finge aceitar, as estruturas democráticas.