As sociedades latino-americanas, governadas por partidos de esquerda a partir de fins do século XX e inícios do século XXI, são sociedades em que existe uma fratura nítida entre, por um lado, os antigos donos do poder, com origem próxima ou remota nos colonizadores de ascendência espanhola (juntamente com a classe média que à volta deles gravita) e, por outro, a classe mais desfavorecida conotada com populações indígenas, desde sempre oprimidas.
De uma maneira geral, uma vez chegados ao poder, os governos de esquerda fizeram o que era mais fácil, redistribuíram rendimentos, mas não mudaram verdadeiramente a estrutura produtiva, e pouco se preocuparam com a educação da população. nem com a sua politização, insistindo apenas nos velhos chavões do imperialismo e do poder da burguesia, responsabilizados por todos os males que afligiam as populações.
Nesse contexto, quando, por vicissitudes várias, a redistribuição teve de ser reduzida, como por exemplo aconteceu no caso dos rendimentos do petróleo e de outras commodities, a população mais carenciada acabou culpando quem estava no poder. De facto quem estava no poder eram esquerdas, em princípio bem intencionadas, mas que não tiveram visão, e isso paga-se; isto é, em vez de apostarem no desenvolvimento dos países, apostaram em contentar mais ou menos as populações que realmente precisavam de apoio, mas não podiam ter esquecido as outras vertentes.
Ao nível da formação da opinião pública, estes erros e falta de visão das esquerdas foram explorados pelas oposições dos respetivos países, mestres na retórica e na arte do engodo. Esta mistura explosiva de inépcia dos governos e de mestria das oposições, relativamente cultas, letradas e bem falantes, formou o cenário que permite compreender o porquê do descrédito das esquerdas.
Há um outro aspeto muito pertinente que é identificado, entre outros, pela professora de ciência política Alicia Lissidini, da Universidade San Martín, em Buenos Aires, que acusa ainda o presidencialismo forte e os "partidos políticos fracos" como responsáveis pela perda de prestigio da esquerda que, nesse aspeto, acaba por se confundir com a direita dos anteriores regimes autoritários/ditatotriais. Quer dizer os regimes de esquerda da América latina assumiram-se como regimes autoritários de sentido diferente na medida em que pretendiam agir em favor dos mais desfavorecidos, mas não deixaram de ser autoritários, não deixaram de seguir a linha vertical de estruturação do poder. Mas não esqueçamos que os meios de exercer o poder acabam por ter repercussão nos fins que se pretende atingir.
A acrescentar a tudo isto, há ainda a corrupção a que ‘o povo de esquerda’ também não é imune e o desgaste do poder que é quase inevitável ao fim de vários anos na berlinda, pelo que mais uma vez se constata que mais importante do que mudar as pessoas é mudar as estruturas, porque estas tendem a manter-se, mesmo quando as caras mudam.
Claro que o saldo das governações de esquerda está longe de ser negativo, com descidas significativas no índice de pobreza, (mas não nos indicadores de desigualdade social) aumento do consumo e crescimento da economia, mas as pessoas beneficiadas têm a memória curta e, perante qualquer descida na sua atual situação, vocalizam também melhor o seu descontentamento.
No fundamental, do ponto de vista estritamente econômico, o que se verificou foi que os rendimentos provenientes do aumento das exportações foram rendimentos provenientes da exploração de recursos naturais e não foram aproveitados para medidas estruturais no desenvolvimento de uma economia menos dependente das flutuações dos preços desses mesmos recursos.
De modo que reflexões deste tipo parecem-me muito necessarias para no futuro evitar os mesmos erros; pena é que sejam escassas.
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